Capítulo 22

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Heng chegou pouco depois das oito da noite. Freen não tinha dúvidas de que ele tinha planos de jantar, tomar uma bebida rápida e dormir tranquilo antes de encontrá- la no dia seguinte. Mas as notícias dela arruinariam seus planos.

Bateu na porta depois que ele mandou uma mensagem com o número do quarto e para dizer que tinha chegado em segurança. A expressão no rosto dele mostrava surpresa.

- O que você está fazendo aqui? - Não importava que fosse inesperado, ele deu um passo à frente e a abraçou mesmo assim. Em seguida, segurou-a à distância enquanto examinava seu rosto. - Por mais adorável que seja te ver, não consigo deixar de pensar que isso é ruim em relação ao término do seu trabalho.

Ela não o deixou continuar.

- Posso entrar e saquear o seu frigobar? - Ele deu um passo para trás e a deixou entrar.

- Não tenho frigobar.

O quarto dele era maior, tinha máquina café, cama king-size e sofá. Ele também tinha vista para o lago, enquanto o dela tinha vista para uma parede de pedra. Essa era a diferença entre reservar com antecedência e no mesmo dia.

Freen se virou para ele.

- Podemos comprar um?

Ele segurou seus ombros e a fez se sentar. O sofá tinha um padrão xadrez visto em kilts por toda parte, o que combinava perfeitamente com o ambiente. O hotel tinha um estilo muito moderno, assim como o chalé de Rebecca. Só o fato de pensar sobre o chalé fez a mente de Freen voltar para esta manhã. Ela sentada no sofá creme, com Rebecca entre suas pernas, levando-a a um clímax glorioso.

Ela piscou.

Precisava afastar esse pensamento.

Elas eram apenas um caso de lugar errado e hora errada. Nunca foram destinadas a ser. Não era como se elas se conhecessem tão bem. Na semana passada, elas nem mesmo sabiam da existência uma da outra. Poderia superar Rebecca. Tinha que fingir que a última semana nunca aconteceu e seguir em frente.

Isso não impediu Heng de esperar por uma resposta sobre o motivo de ela estar ali quando deveria estar trabalhando. Ele não ia esperar a noite toda.

- O que está acontecendo? Você deveria estar lá no topo da colina, fazendo parte de uma família feliz. Esta manhã, você me disse que tinha sentimentos por ela.

Freen afundou nas almofadas e fechou os olhos. Estava contente que Heng estivesse ali. Tinha se torturado durante toda a tarde.

- Muita coisa pode acontecer em poucas horas. - Heng bufou e franziu a testa.

- Esta manhã foi incrível e a noite passada também.

- Foi. - Freen fez uma pausa. - Mas isso foi antes de eu descobrir que o coração que foi transplantado para o meu corpo há vinte anos pertencia à irmã gêmea dela. - Freen se concentrou em Heng para ver quanto tempo levava para o rosto dele registrar suas palavras. Ele lutou por alguns segundos, mas depois suas feições ficaram sombrias. Aí estava.

Ele piscou e depois balançou rapidamente a cabeça.

- Seu coração pertence a quem?

- A ninguém além de mim agora, como meus médicos me disseram na época. Mas originalmente, pertenceu à irmã gêmea da Rebecca, a Nadia. Ela morreu em um acidente de carro há vinte anos.

- Então você dormiu com a irmã gêmea do seu coração. - Ele fez uma pausa e depois franziu o rosto. - Isso é muito estranho.

- É por isso que estou aqui e não lá.

- Você contou para ela?

- Claro que contei! Não pude ficar por perto depois que descobri. A família espalhou as cinzas dela esta manhã, e estão começando a consertar as coisas. Eu não podia trazer minha estranheza para a ocasião.

Ele balançou a cabeça.

- Agora entendo por que você precisa de uma bebida.

- Você não faz ideia. - Ela se levantou e caminhou até a janela, depois se virou para ele. - Mas continuo pensando, será que fiz a coisa certa? Eu me importo com ela. Tivemos dias incríveis. Mas senti que não podia fazer mais nada.

- Não é uma situação comum.

Freen bufou.

- Eufemismo do ano. - Ela fez uma pausa. - Eu nunca teria aceitado o trabalho se soubesse que o sobrenome dela era Armstrong, porque sabia que esse era o nome da minha doadora. Apenas o sobrenome, não o nome completo. - Ela fez uma pausa. - Você fez a reserva. Sabia que ela tinha usado um nome falso?

Heng fez careta e tentou não olhar para lugar nenhum além de Freen. Não funcionou.

- Claro, o cartão de crédito dela tinha o nome verdadeiro. Ela perguntou se poderia ser chamada de Brown, e eu disse sim, da mesma forma que aceitei a mesma situação de várias outras pessoas. Nunca foi um problema. Se as pessoas estão contratando amigos ou parceiros falsos, muitas vezes usam um nome falso.

- O tiro saiu pela culatra dessa vez.

- Percebi. - Ele se levantou e foi até ela. - Eu sabia que sua doadora de coração era da escócia, mas você acabar na cama da irmã gêmea dela? - Ele balançou a cabeça. - Quais são as chances? Você sabia que sua doadora era gêmea?

- Não.

Ele estremeceu.

- É meio estranho.

Freen colocou a mão no rosto.

- É, mas não é. É apenas uma coincidência estranha. Se você tivesse visto a reação da Rebecca quando descobriu... ela disse que cometeu uma espécie de incesto.

Heng passou um braço em volta dos ombros dela e a puxou para perto.

Freen deixou que ele fizesse isso. Era bom ser abraçada. Seria ainda melhor se Heng pudesse garantir que tudo ficaria bem. Mesmo que estivesse mentindo.

- Essa não é a melhor reação. - Heng falou.

Ela assentiu e depois ergueu a cabeça para encontrar seu olhar.

- Ela ficou chocada e confusa. Eu também fiquei. Mas não, essa não foi a melhor primeira reação de alguém com quem você passou quase vinte e quatro horas na cama.

- Ela provavelmente só precisa de tempo para assimilar tudo - Heng respondeu.

- Talvez. - Freen se levantou e se sentou novamente no sofá. - Ou talvez seja isso, e eu só precise esquecer que esse fim de semana aconteceu. - Mais fácil falar do que fazer. Rebecca não estava apenas na cabeça de Freen. Ela estava entrelaçada na paisagem das Terras Altas e agora, na paisagem de Freen também.

- Isso cabe a ela decidir. Foi ela quem te contratou. Depois as linhas se confundiram, o que sempre complica as coisas. - Ele levantou uma mão. - Não se preocupe, não vou te dar um sermão por isso. Eu mesmo já fiz isso uma ou duas vezes. - Algo indecifrável passou pelo rosto dele e então Heng forçou um meio sorriso e continuou. - Essa não é uma situação normal, então as regras normais não se aplicam. Mas pense bem. É uma situação que você realmente quer levar adiante? Ou deve ser deixado onde está? Na categoria marcada como Amor de Verão nas Terras Altas?

Freen encarou o amigo. Ela sabia que ele tinha boas intenções. Mas as duas tiveram mais do que uma aventura. Sabia disso. Será que poderiam explorar essa conexão para ver até onde poderiam ir? Só se as duas quisessem. Pelo modo como Rebecca a olhou quando saiu, Freen não tinha ideia se isso ainda era válido.

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