Capítulo 4

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A viagem de trem trouxe de volta muitas lembranças de sua viagem com Heng alguns anos antes. Assim como todo aquele verde enquanto o trem deslizava para a Escócia, em especial quando se aproximava do azul do Mar do Norte.

Por que não veio mais vezes para a Escócia depois? Dinheiro e tempo. Neste exato momento, estava feliz por ter concordado com o trabalho, mesmo que estivesse prestes a entrar no fim de semana mais bizarro com que já havia concordado.

Chegou cedo ao restaurante arejado e de pé direito alto do hotel. Um oceano refletia o sol da tarde na arte gráfica pendurada nas paredes de tijolos aparentes. Quase sete da noite de uma quarta-feira de maio e já estava cheio. Grupos de amigos, vestidos de forma casual, riam juntos enquanto homens de terno e gravata se parabenizavam por chegarem ao fim de uma semana agitada de trabalho. O cheiro de peixe impregnava o ar, fazendo Freen se lembrar de sua mãe saboreando um prato de salmão em seu aniversário. Estava prestes a conhecer a mãe de outra pessoa. Tentou conter uma pontada de medo. Controlou o nervosismo. Tudo isso fazia parte da atuação. O trabalho começava agora. O garçom conduziu Freen até sua mesa, onde uma mulher já estava sentada. As orelhas de Freen queimaram quando se aproximou de Rebecca. Sua cliente estava focada no cardápio, mas ergueu o olhar quando o garçom pigarreou.

— Senhora, sua convidada chegou. — Ele deu um aceno de cabeça antes de deixá-las. Rebecca se levantou e estendeu a mão, acompanhada por um sorriso nervoso.

Freen ficou feliz por não ser a única.

— Prazer em conhecê-la. Eu sou a Freen.

Sua voz falhou enquanto falava. Ela pigarreou e seus dentes bateram.

O aperto de Rebecca era firme e seguro. Isso a desconcertou um pouco. Será que fazia isso o tempo todo? Estava esperando que Freen desistisse? De repente, pareceu real demais.

No palco, ela tinha falas, maquiagem e diretor. Precisava de Ron ao seu lado para ajudá-la e dizer o que fazer a seguir. Mas nos próximos dias, estava sozinha. Não havia ninguém para colocar palavras em sua boca ou orientá-la como dizê-las.

Rebecca não era o que Freen esperava. Pensou que seria alguém impossível de se namorar, uma vez que a contratou para o final de semana. Rebecca não passava essa impressão. A moça estudou suas maçãs do rosto salientes, o nariz levemente inclinado. A pinta em sua bochecha esquerda era muito Marilyn Monroe.

Freen amava Marilyn Monroe. Passou grande parte de sua adolescência obcecada com aquela pinta.

— Rebecca — a cliente respondeu. Ela olhou o corpo de Freen de cima a baixo. — Uau, você é mais alta do que eu esperava.

Talvez não estivesse tão segura de si. Mesmo assim, Freen ficou encantada com o leve sotaque escocês. Ela sempre teve uma queda por isso.

Rebecca corou.

— Desculpe, isso era para ficar dentro da minha cabeça. — Ela mordeu o interior da bochecha. — Como foi sua viagem?

— Tranquila. Obrigada pela passagem de primeira classe. — Quando Freen a recebeu, se perguntou se Rebecca seria insuportavelmente rica e elegante. As primeiras impressões sugeriram o contrário. O que deveria dizer a seguir? Embora não fosse um encontro, era uma entrevista para um emprego. Mais ou menos isso. Se as coisas não corressem bem hoje, Rebecca poderia cancelar tudo. Freen não poderia deixar isso acontecer. Primeiro, ela precisava do dinheiro. Segundo, queria muito fazer a viagem que viria depois.

O ônus estava em Freen se dar bem com Rebecca e fazê-la se sentir à vontade. Fazer perguntas e ser charmosa. Heng insistiu nesse ponto.

Ela voltou a se concentrar. A camisa jeans de Rebecca estava aberta apenas o suficiente para roubar um olhar. Freen observou o cabelo dela. Sempre admirou as mulheres que tinham coragem de cortar tão curto. Nunca fez isso, pois estava convencida de que seu rosto ficaria estranho.

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