2.

347 33 21
                                    

"Eu queria ser como você
que sofre só um pouco, na medida."
- Jão

(Pedro Tófani)

– Que porra foi essa? — Gustavo pergunta quando me sento no banco da área reservada para a organização dos atletas.

Gustavo é meu técnico desde que completei a maioridade e com o tempo viramos grandes amigos.

– Eu avisei que eu não iria competir caso Romania estivesse entre os juízes. — respondo sem lhe olhar os olhos, removendo a braçadeira e os equipamentos do meu corpo.

– Ainda nessa merda, Pedro? — Gustavo suspira agoniado. – Você sabia que seria ele. Ele sempre está na arbitragem das olimpíadas.

– Então não vou me classificar nas olimpíadas até que ele saia da arbitragem. — sorrio cínico para o homem em minha frente.

– Daí a sua solução é matar ele no meio do ranqueamento? — o homem pergunta exasperado.

– Que exagero. — reviro os olhos em tédio. – Aquela flecha não mata ninguém, e mesmo se fizesse, é óbvio que eu não queria matar ele. Você sabe que eu não erro um tiro. — respondo guardando meus equipamentos.

– Vê se deixa de imaturidade e para de colocar a sua carreira em risco por egoísmo seu. — meu treinador pega a braçadeira que eu havia tirado e começa a colocar em meu ombro novamente. – Você vai voltar lá, acertar o máximo de flechas possíveis e rezar para que os juízes desconsiderem a simples tentativa de assassinato. — ele ordena.

– Eu não vou competir, Gustavo. — solto meu ombro de suas mãos, tentando empurrar seu corpo para longe de mim.

– Não estraga tudo agora. — ele sussurra impaciente, meu corpo esquenta em ódio.

– Você não sabe de porra nenhuma. — vocifero, empurrando seu corpo para longe de mim e levantando no processo para regular nossa altura.

Gustavo me encara impressionado pelo descontrole por não ser uma atitude comum da minha parte.

– Então me fala. —sua postura relaxa. – Chega de segredos, Pedro, não dá pra fugir do seu passado para sempre.

O silêncio pesa entre nós. Permaneço encarando meu treinador, me acalmando e me mantendo inexpressivo.

Nosso silêncio é interrompido por uma sessão de gritos histéricos da torcida nas arquibancadas organizadas. Nossa atenção se direciona até a entrada do ambiente e encaminhamos até o local, para entender o que causou a gritaria.

Do lado de fora, nos deparamos com alguns dos competidores, principalmente os que já competiram anteriormente, deixando a quadra sem realizar a competição.

– O que está acontecendo? — pergunto confuso para Gustavo ao meu lado, enquanto cada arqueiro junta suas coisas para se retirar da arena.

– Revolta. — ele responde. – Eles estão deixando a competição. — diz impressionado com a movimentação incisiva dos atletas.

Meu olhar automaticamente se direciona para o loiro cacheado, que já me encarava com os olhos tranquilos, nada impressionado com a situação.

– Seja lá o que João Vitor fez para você... — Gustavo começa, seguindo meu olhar até o loiro. – Os atletas estão do seu lado. — continua e em contradição à sua fala, um dos competidores passa por mim esbarrando em meu ombro propositalmente. – É... pelo visto, não todos.

Um grito da arquibancada direcionado a mim me chama a atenção e percebo a indignação de alguns torcedores pela minha atitude que levou a desistência dos outros arqueiros.

– Vem, você tem que sair daqui. — Gustavo puxou minha mão de volta para a área reservada para juntar nossas coisas e sair pelos fundos da arena.

No caminho, até o lado de fora, alguns atletas, técnicos e juízes me julgavam com os olhos enquanto alguns repórteres tentavam a todo custo me conseguir alguma resposta às suas perguntas ridículas. Eu sequer me abalava.

– Que caos. — suspiro em alívio quando finalmente entro no carro do motorista chamado por Gustavo.

– É o preço que se paga por mexer com o juíz queridinho das olimpíadas. — Gustavo diz risonho, informando o endereço do hotel para o motorista.

– Chega a ser ridículo ainda existir fã de juíz em 2024. — digo indignado.

– Você só diz isso porque estamos falando do João. — Gustavo diz rindo da minha irritação. – Você era fã do pai dele quando ainda avaliava.

Opto por não responder, ficando em silêncio e imaginando o futuro da competição depois da desistência dos atletas.

O que que o Jão fez, ein?
Até a próxima.

Na Mira | PejãoOnde histórias criam vida. Descubra agora