6.

318 38 22
                                    

Mesmo plano, hora exata.
Jão

(Pedro Tófani)

04 de julho de 2024
França, Paris

– Dez. — a voz do locutor anuncia e a torcida vibra com a pontuação da etapa.

Conseguir recuperar a pontuação negativada e continuar nas olimpíadas estava sendo uma tarefa e tanto.

Eu sequer conseguia comemorar a pontuação, sabendo que eu ainda estava desclassificado.

Nas olimpíadas, as classificatórias definiam a posição dos competidores no ranking. A partir dessa posição, os adversários eram definidos.

No ranqueamento, fui classificado em 17° lugar, uma posição melhor do que minhas competições mundiais anteriores. Consequentemente, eu enfrentava o 49° competidor, Pablo, um garoto jovem da Espanha.

Um mata-mata eliminatório contava com a soma da pontuação dos sets. Cada set vale 2 pontos, o primeiro atirador que alcançar 6 pontos, vence a partida.

Meu corpo esquenta em ansiedade quando o meu adversário, Pablo, puxa a corda do arco e lança a flecha, cravando também um dez.

Aplausos tomam conta do ginásio e tento relaxar para me preparar para o tiro.

Puxo a corda, acalmo a respiração e libero a flecha.

– Nove. — o locutor anuncia. Aplausos comemoram a pontuação, teoricamente, meu saldo contava com -1.

Agora é a vez de Pablo. Espero alguma atitude do adversário, mas ele não toma nenhuma decisão.

Seu tempo corre, o encaro confuso, mas permaneço aguardando alguma ação de sua parte.

O alarme aciona e indica o fim de seu tempo.

– Zero.

Procuro me manter calmo e ignorar a confusão de meus pensamentos, me recusando a deixar a bagunça de minha cabeça tomar conta. Busco focar no meu objetivo.

_Dez. — o locutor anuncia. 9 pontos para mim.

A platéia comemora em aplausos. Meu corpo descansa por não sentir mais o peso de estar negativado na competição, mas ainda faltava o último tiro de Pablo, mas ele novamente, não faz nada.

O tempo corre novamente, os 20 segundos passam, o locutor anuncia sua nota zero e a platéia desaprova a atitude.

Apesar de sua falta de atitude, Pablo ganha o set, com 1 ponto a mais.

– Existe alguma razão para optar por não atirar? — pergunto ao meu técnico durante o mínimo intervalo entre os sets, confuso se a decisão do meu adversário era alguma espécie de deboche ou algo além disso.

– Não é hora de questionar isso. — Gustavo responde sério. – Foca no seu. Hoje não tem margem para erro.

Os atiradores são chamados para as posições novamente, dando início a mais um set.

Os outros sets ocorrem tranquilamente, o que me deixa confuso sobre qual exatamente era o objetivo do espanhol.

Chegamos no 5° set. Eu estava em desvantagem. Seis pontos para Pablo, quatro pontos para mim. Eu precisava empatar esse set para conseguir uma chance de mais um set para desempate.

– Dez.

Seis a seis.

– Estou suando. — Gustavo diz quando me aproximo, rio fraco de seu desespero.

– Essa é minha. — pisco charmoso para meu amigo, que rola os olhos em tédio.

O critério de desempate contava apenas com uma flecha para cada arqueiro. O atirador que acertar a flecha mais próxima do centro do alvo, era o vencedor.

Pablo se prepara para o lançamento.

Enquanto tento me acalmar, meus olhos acabam se perdendo na arquibancada, e vejo ali alguém que eu realmente não esperava que viesse assistir a um jogo meu, mas não tenho tempo para raciocinar a informação de que o loiro estava presente no meio da torcida.

– Dez. — a voz do locutor me desperta e volto a encarar o alvo.

É crucial manter a frieza e o controle de nossas emoções durante um lançamento. Qualquer mínimo detalhe é capaz de interferir no lançamento e, consequentemente, na mira. Mas naquele momento, a última coisa que meus sentimentos estavam, eram calmos.

Respirei fundo, fazendo de tudo para me acalmar e conseguir atirar tranquilamente.

Me condenava por deixar que uma simples pessoa desestabilizasse meus sentimentos. Eu precisava do meu melhor.

O meu melhor.

"Dê o seu melhor, chatinho."

Minha mente se esvaziou, os sons ao redor me pareceram distantes, minha vista ficou turva.

– Dez.

Recobro minha consciência e encaro o alvo em minha frente.

Cravei.

O grito da torcida me deixa tonto. Caminho cambaleante até Gustavo, que me esperava com um sorriso radiante.

_ Eu... não sei o que aconteceu. — confesso um pouco absorto.

– Você cravou, porra! — sua animação me causa um sorriso genuíno, apesar do homem não ter entendido minha confusão.

Houve uma necessidade de conferência para ter a certeza que a flecha mais próxima do centro realmente era a minha, mas a diferença era óbvia.

Gustavo me aperta em um abraço quando o resultado e concretizado, rodando meu corpo e me aconchegando em seus braços. Suspiro aliviado.

Abro os olhos e procuro o loiro na arquibancada. Seus olhos já me encaravam e seu rosto era preenchido por um sorriso melancólico que eu percebia até de longe.

Na Mira | PejãoOnde histórias criam vida. Descubra agora