Quando O Amanhã Chegar - zosan

Sanji - Capítulo 23

Essa semana não poderia ser mais corrida. Mesmo com o anúncio da avaliação geral, isso não impediu os professores de passarem mais trabalhos.

Foi difícil dormir ao longo da semana, especialmente ontem à noite. Não consegui parar de pensar na crise e...naquele beijo, se é que posso chamar aquilo assim.

É quase ridículo perder o sono por algo assim. Um mísero beijo na bochecha. Não é como se eu tivesse sido beijado nesse local pela primeira vez, mas foi diferente. Não foi um beijo de cumprimento, daqueles que poderia ser facilmente substituído por um aperto de mão.

Um beijo de cumprimento não é caloroso como aquele. Não passa tantos infinitos segundos com os lábios colados na minha pele. Não me faz querer que tenha sido em outro lugar mais próximo. Um beijo de cumprimento não se dá com uma pessoa nua abaixo de si. Um beijo de cumprimento não me faz querer mais. Pelo menos não deveria.

Culpo minha mente idiota por não ter tomado uma atitude naquele momento, mas provavelmente seria burrice. Não sei se estava nas melhores condições mentais para tomar qualquer decisão.

Tive que tirar uma semana para refletir, mesmo em meio ao caos de tarefas escolares. Eu precisava entender os gatilhos e me preparar para mais uma consulta em que me sentiria vulnerável. Honestamente, por mais que me gere desconforto, não tenho raiva de Ivankov, esse é seu trabalho. Porém não estou inteiramente pronto, e acho que ela entende – e respeita – isso. Pesquisei um pouco sobre, ao que tudo indica é normal se sentir deslocado nas primeiras sessões, cheguei a inclusive comentar sobre isso com Ivankov, a qual me tranquilizou. Disse que é um processo de adaptação, que pode ser ainda mais difícil para mim que está vivenciando pela primeira vez. Também frisou que eu poderia sinalizar se o incômodo persistir e até procurar outro profissional que achasse mais compatível.

Por mais que haja a existência da ameaça de Zeff em me demitir e esse desconforto em me expor para um desconhecido, gosto da liberdade que a terapia traz. Posso falar e fazer o que quiser, sem dar satisfação, sem precisar agradar ninguém, sem julgamentos.

E por falar em terapia, Iva – será que é intimidade demais a chamar assim? – começou a passar "deveres de casa" – sim, mais deveres – ao fim de toda sessão. Teoricamente, são mais simples que as tarefas escolares, até porque não perderei ponto se por acaso não fizer ou esquecer de realizar a atividade. Porém, não significa que seja fácil. O dever da última consulta foi escrever em um papel quem sou eu. Quando a psicóloga deu as orientações, quase ri da estupidez do dever, pensei que chegaria em casa e faria tudo em menos de 10 minutos.

Bem, já se passaram quatro dias e tudo que há no papel – o qual grudei na porta da geladeira – é o título "Quem sou eu?", centralizado na folha com caneta azul, e uma seta que liga a frase "Quero ser um bom cozinheiro". Nada mais.

Diferente da minha última crise, tentei não me isolar, o que gerou congratulações da psicóloga pela minha iniciativa. Continuei conversando com Marimo e os outros normalmente. Acho que, no fim das contas, cumpri bem essa meta já que acabei batendo na casa do Marimo no meio da madrugada. Apesar de me gerar um grande arrependimento pela manhã, confesso que foi uma das melhores atitudes impulsivas que já tomei.

Inclusive, os machucados já sararam. Foi a primeira – e espero que última – vez que me feri meio a uma crise. Não foi grave, mas esse fato tornou a terapia mais densa. Não queria ter me machucado. Mas eu precisava me distrair das lembranças do passado. Precisava de uma fuga, algo que me trouxesse de volta ao presente. E meus cigarros haviam acabado. Me culpei muito por ter chegado àquele ponto, mas estou tratando isso na terapia. É estranho dizer essa frase. "Estou tratando isso na terapia".

Contei minha crise a Zeff. Essa decisão eu me arrependo. Fui obrigado a passar quase a semana inteira consigo. O velhote ficou grudado em mim tal qual uma cachorra com gravidez psicológica. Tá, talvez eu não me arrependa tanto, comi maravilhosamente bem, trabalhei pouco, dormi como um anjo no seu colchão, não precisei pegar ônibus para ir à escola, e bom...tem a companhia de Zeff.