Sanji - Capítulo 17

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Tenho uma vontade insaciável de arrancar a pele do rosto com as unhas. Minhas células estão quase se unindo à superfície da cadeira de madeira riscada de lápis. Inclusive, olhar para os desenhos borrados na mesa – de olhos, cogumelos, letras de músicas e xingamentos relacionado à cu – me parece bem mais interessante do que olhar para o quadro à minha frente.

Todo esse meu tédio tem nome e sobrenome: Idade Média. Na verdade, esse conteúdo é relativo ao primeiro ano, porém por conta da pergunta de uma queridinha puxa-saco, o professor achou que seria apropriado dedicar duas aulas inteiras apenas para contextualizar um período histórico com mais de mil anos.

Não tem nada que me dê mais ódio do que ouvir sobre Idade Média, ou melhor, Idade das Trevas. Me fale sobre os milhões de judeus mortos no Holocausto, sobre a nobreza decaptada com a guilhotina na Revolução Francesa, sobre a Inconfidência Mineira, sobre a história de independência de todos os países da América, sobre a exploração e a chacina do neocolonialismo na África, sobre o tamanho minúsculo do pênis de Napoleão – 3,8 centímetros, para ser exato –, mas por favor, não me fale de Idade Média. Todo mundo já conhece a porra da história:

Mulher ruiva? Fogueira?
Canhoto? Fogueira!
Se recusou a ter relações com o marido? Fogueira!
Tem conhecimento de ervas medicinais? Bruxa! Vai pra fogueira!
Saber ler? Bruxa! Fogueira!
Relações homossexuais? Vai pra fogueira seu sodomita imoral!
"E se a terra for redonda?" Como ousa usar a lógica na casa de Deus? Fogueira pra você também!
Tomar banho todos os dias? Pecado!
Fazer a barba? Pecado!
Desobedecer o rei? Pecado!
Escravidão? Ah, tá de boa!

Não entendo qual a razão de estudar sobre peste negra e revoltas camponesas enquanto a Europa está literalmente se afundando na própria merda. Pois é, viva o saneamento de esgoto!

Gostaria que fosse apenas pirraça da minha parte, porém ao dar uma leve espiada no resto da turma, vejo que não sou só eu que penso o mesmo. Meus olhos se atraem até Zoro, que está sentado na fileira ao lado. Assim como o resto da classe, não parecia muito ligado na explicação. Ele desliza a caneta suavemente sobre um pequeno caderno em sua mesa. Morde o lábio inferior, com os olhos amendoados fixos no papel. Observo seu maxilar marcado e seus brincos longos caídos pela orelha. Seu cabelo verde parece mais vivido, talvez tenha retocado a tinta.

Merda...ele fica tão lindo quando está concentrado.

Pego meu celular, não resistindo à vontade de mandar uma mensagem. Cutuco meu dedos na tela, escondendo o aparelho de baixo da mesa para que o professor não o visse.

Idade média é um saco né?

Seu celular vibra na mesa. Olha para o professor e depois pega o objeto discretamente. Caminha as pupilas pela mensagem e depois de alguns segundos começa a dedilhar o teclado. Ouço o bipe no meu telefone, o pego rapidamente e leio a resposta.

Marimo:
Pra caralho

Tá desenhando o que?

Deu pra perceber?

Você é péssimo em disfarçar

Kkkkkkk talvez
Estou fazendo uma bruxa sendo queimada

Entrou bastante no clima da aula hein

Quer ver?

Leio a mensagem mais uma vez, demorando um tempo para pensar em uma resposta. Por algum motivo, o fato dele me confiar ver o seu desenho me faz sentir estupidamente especial.

Quando O Amanhã Chegar - zosanOnde histórias criam vida. Descubra agora