𝐃𝐎𝐈𝐒.

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𝐌𝐀𝐘𝐀.

Quando entrasse naquele ônibus, sabia que minha vida iria mudar completamente. Meu destino era a faculdade. Consegui uma bolsa de estudos em uma universidade e, finalmente, em meio a tanta infelicidade, algo bom aconteceria pela primeira vez. As aulas começariam em agosto. Sempre me esforcei muito nos estudos, apesar de não receber nenhum apoio. Nunca desisti e sempre fiz por mim. Essa bolsa não foi por causa de nada que minha mãe fez, nem mesmo do meu pai. Foi graças a mim mesma.

Quero ser o motivo de me tornar quem serei e recuso permitir que Melissa leve o mérito pela primeira coisa boa que acontecerá na minha vida. Nunca cometei nada com ela e sempre fiz questão de manter tudo bem escondido. Também não contei nada ao meu pai; não sei nem se ele ainda lembra da minha existência.

É até estranho chamá-los de pais. Eles me deram a vida, e isso foi a única coisa que recebi deles. Fui fruto de uma noite. Meu pai era um jogador famoso no auge da sua carreira, minha mãe apenas uma garçonete de um bar qualquer. Com três meses de gravidez, Melissa descobriu que estava esperando por mim. Meu pai só ficou sabendo quando recebeu toda a papelada da pensão.

Ele sempre pagou tudo direitinho e vinha me visitava quando podia. Chegou um certo momento em que ele só mandava dinheiro da passagem para ir visitá-lo. Meu pai se aposentou da sua carreira mas logo continuou como técnico.

Ele não sabe nada da minha vida aqui e nem dos vícios da minha mãe. Não sabe nada sobre mim além das poucas coisas que falei. Parei de visitá-lo aos 14 anos e ele fingia que ficava triste.
Desculpa, Abel, mas mandar o dinheiro da pensão é mais do que sua obrigação e faz de você uma pessoa responsável; não um pai.

A batida na porta me tira dos meus pensamentos. Olho pela fresta e vejo Roger, o dono da casa. Normalmente, eu não abriria, mas não estava em posição de ignorá-lo. Ele sabe que estou acordada. Assim que abro a porta, ele me entrega um papel.

― O que é isso? ― pergunto, desconfiada.

― Aviso de despejo.

― Como assim? Ela acabou de morrer; não dava para esperar? ― Eu iria seguir o conselho de Carlos e queria muito sair daqui, mas precisava de tempo para arrumar dinheiro.

- Você é menor de idade e não quero problemas. Além disso, o aluguel está atrasado há quatro meses. Já mandei vários avisos e tenho certeza de que você tem para onde ir.

― Como atrasado? Meu pai paga o aluguel e eu já tenho dezenove anos.

― Que assim seja, são os termos do contrato. E, claro, pagar o aluguel.

Tenho certeza de que para despejar um inquilino é necessário um processo legal.

― Quanto tempo tenho?

― Vou te dar uma semana.

Após Roger fechar a porta, fiquei momentaneamente em transe. Já fazia cerca de um ano que não entrava em contato com meu pai, mas ainda lembrava seu número de telefone de cor. Engolindo meu orgulho e com grande esforço, disquei o número dele, apenas para ser surpreendida por um aviso de saldo insuficiente na tela do telefone. Droga!

Bati à porta de Roger, o único no bairro com um telefone fixo. Ele rapidamente a abriu.

― Preciso usar seu telefone.

― Tá tarde, amanhã você usa ― respondeu ele, começando a fechar a porta. Antes que fechasse completamente, coloquei a mão para impedir.

― Então você que esperasse até amanhã pra me dizer que agora eu sou uma sem-teto― falei rispida.

Roger revirou os olhos e me deixou entrar. Hesitei mais uma vez antes de discar o número de Abel, mas precisava fazer aquela ligação. Seria a falta de crédito ou um sinal divino o motivo da chamada não completar da primeira vez? No segundo toque, a chamada foi atendida.

― Alô? ― disse uma voz rouca do outro lado da linha. Ele provavelmente estava dormindo.

Soltei um suspiro.

― Pai?

― Maya? ― Sua voz, agora que reconhecia a minha, expressava surpresa e preocupação. ― O que aconteceu? Está tudo bem?

Melissa estava morta. As palavras estavam na ponta da minha língua, mas eu não conseguia pronunciá-las. Ele mal a conhecia; da última vez que a viu, ela ainda era a mesma pessoa, e não uma sombra de si mesma, um esqueleto ambulante.

― Sim, está tudo bem ― respondi, tentando soar convincente.

É estranho dar essa notícia pelo telefone. Decidi que esperaria para contar pessoalmente.

― Por que a ligação tão tarde? O que houve?

― Estava trabalhando até tarde e só consegui ligar agora. Sei que já faz um tempo, mas estava pensando se poderia te visitar antes de ir para a faculdade.

― Claro que pode ― respondeu meu pai, sem hesitar. ― É só me dizer quando pretende vir que eu compro sua passagem.

Olhei para Roger, que escutava toda a conversa.

― Eu estava na esperança de ir amanhã. Houve uma pausa do outro lado da linha, como se ele tivesse se levantado da cama.

― Amanhã? Maya, tem certeza de que está tudo bem?

― A-hã, só preciso de um descanso ― menti. ― E estou com saudade de você.

Não estou,nem um pouco. Nem o conheço. Mas estava disposta a qualquer coisa que me colocasse em um avião e me levasse para bem longe daqui. Do outro lado da linha, Abel murmurava alguns horários e datas.

Abel sugeriu um voo para São Paulo no dia seguinte. Eu precisaria estar no aeroporto em quatro horas. Aquela informação me surpreendeu; não sabia que ele morava lá.

― São Paulo? Por que São Paulo?

― Estou morando aqui por causa do meu trabalho, já faz dois anos. ― Isso é algo que eu certamente deveria saber sobre o meu pai. Agradeço por ele ainda ter o mesmo número.

― Ah, é verdade.

― Quantos dias pretende ficar? ― pergunta ele.

― Pode ser uma semana.―respondi sem muita certeza―Na verdade,você não pode comprar uma passagem só de ida por enquanto?

― Tudo bem.Quando chegar no aeroporto, procure o guichê para São Paulo e peça sua passagem impressa. Estarei te esperando― ele afirmou.

― Obrigada.

Antes que ele pudesse questionar algo mais, desliguei o telefone. Ao me virar, encarei Roger que estava com um sorriso suspeito nos lábios.

― Posso te levar ao aeroporto ― disse ele.― Mas tem um preço.

Seu sorriso me fez revirar o estômago. Quando Roger oferecia ajuda a uma mulher, o preço nunca era pago em dinheiro.

 Quando Roger oferecia ajuda a uma mulher, o preço nunca era pago em dinheiro

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𝐂𝐈𝐂𝐀𝐓𝐑𝐈𝐙𝐄𝐒 𝐃𝐀 𝐀𝐋𝐌𝐀- Richard Ríos Onde histórias criam vida. Descubra agora