Nossas Vidas em Quadrinhos - Wenclair

Trincar

A melodia de Broken do Palaye Royale ecoava pelo ambiente aconchegante e aquecido da lanchonete em um volume de nível aceitável. Com a chegada da neve, muitas pessoas passaram a procurar locais como aquele para seus encontros e claro, para fugir do frio das ruas.

- Então, agora que despachamos o Tyler, podem ir falando o que aconteceu antes da nossa chegada - dizia Yoko apontando para a melhor amiga sentada a sua frente na mesa.

Enid trocou olhares com a namorada que quase não tinha tocado no seu amargo café que esfriava, antes de responder.

- Recebi um presente de grego pela manhã.

Divina analisou as três a sua volta com atenção. A calma de Wednesday ao lado de Enid parecia confortar a garota de algum modo enquanto ela falava. Yoko por sua vez, se ajeitou na cadeira como se estivesse se preparando para ouvir uma bomba e levando em consideração tudo que Divina já tinha ouvido da história maluca daquelas duas, talvez fosse mesmo uma.

- Como assim? - indagou Tanaka, deixando transparecer sua urgente curiosidade.

- Entregaram uma caixa no meu apartamento. Achei que fosse coisa da Wednesday, ela já havia usado uma embalagem parecida em outra ocasião, mas... - a careta com nariz franzido de Sinclair deixava claro que Addams não tinha envolvimento algum com o presente - Quando a abri, descobri que na verdade tinha sido enviada pelo Nick.

- E o que tinha na caixa? - Divina se atreveu a perguntar antes que Tanaka abrisse a boca. Agora que estava em Jericó, mesmo que por poucos dias, queria se inteirar dos mínimos detalhes com toda atenção possível para ajudar as garotas.

- Uma corrente velha suja de sangue e cheia de pelos de animal grudados e olhos de cervo.

Agora era Divina que torcia o nariz ao imaginar tal cena e o cheiro que provavelmente a caixa tinha.

- Desgraçado! - exclamou Yoko, visivelmente irada.

- Não esqueça do cartão - Addams acrescentou com uma pitada do que poderia ser raiva, na voz.

Enid assentiu lentamente buscando na memória as palavras escritas no pedaço de papel. Ela não havia esquecido, leu vezes suficiente para recitar as mensagens de olhos fechados, só não gostaria de fazê-lo. Sentiu a mão de Wednesday cobrindo a sua e sorriu para ela.

- "Para relembrar dos velhos tempos. Espero que não tenha mais sensibilidade a prata, Sinclair." Era isso que estava em um dos lados do cartão, se referindo as correntes - disse Addams com firmeza.

Enid agradeceu fazendo um afago em sua mão. A pele quente e macia era reconfortante.

- Do outro lado mais uma afronta - disse Sinclair - "Em qual dos olhos prefere usar o tapa olho dessa vez? Direito? Esquerdo? Quem sabe nos dois? Aproveite enquanto pode enxergar sua Addams." - Enid finalizou jurando poder sentir o cheiro ferroso do sangue seco.

- Minha nossa - Divina deixou escapar.

- Depois da Lilith aparecer na gráfica para te provocar, é claro que eles não perderiam a chance de intimidar você desse jeito - disse Yoko ainda digerindo o que as amigas haviam dito.

- Olha, foi nojento e um gatilho para minha fobia ver aquelas coisas cheias de sangue, mas a pior parte nem foi essa.

- O que pode ser pior do que receber pedaços de animais em uma caixa antes do café da manhã e instrumentos utilizados para torturar? - Yoko elevou um pouco a voz ao perguntar. Divina a repreendeu com o olhar, mesmo com música tocando, alguém poderia ouvir a conversa e não teriam como explicar sem parecer loucas.

- Eles encontraram meu pai no supermercado e agiram como se fôssemos velhos amigos.

- Filhos da puta! Fizeram algo? Seu pai parecia normal no almoço - falou Yoko buscando algum sinal estranho no pai de Enid.