Por água abaixo

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Narrado por Solano


— Cara, tem certeza de que você tem que ir embora?

— Já perdi o meu emprego e depois dessa dívida, não tenho como permanecer aqui, tive que me desfazer de quase todos os meus pertences, até minha prancha de estimação se foi.

Eu tinha que sair do Rio para tentar mudar de vida. Estava tudo sob controle, tinha um bom emprego em uma construtora, meu apartamento era alugado e pequeno, mas possuía vários eletrônicos, eletrodomésticos, móveis modernos e principalmente, eu tinha muita sorte, por isso o dinheiro entrava fácil, vindo dos cassinos clandestinos que gostava de frequentar.

Minha sorte deu lugar a uma maré de azar, não soube a hora de parar, fui trabalhar virado depois de várias noites tentando recuperar o que perdi e saldo: fui demitido depois de deixar alguns furos. Sem emprego, torrei todo o meu seguro-desemprego e fui me afundando cada vez mais em dívidas.

Quando o dinheiro acabou, comecei a vender algumas coisas de casa, mas em uma noite, me sentindo com sorte depois de ganhar algumas partidas de pôquer, apostei mais do que possuía. Eu perdi e não tinha dinheiro para pagar, pedi um prazo e o posterguei algumas vezes, até em uma tarde, ter meu apartamento arrombado e meus pertences todos levados como forma de pagamento, inclusive minha prancha de surfe.

Não contei a ninguém da família por vergonha, meu pai jamais aceitaria ter um filho viciado em jogos de azar. Por isso quando comentei com o Flaviano, meu irmão mais velho, sobre querer sair do Rio e me mudar para outro lugar, de preferência próximo ao mar, ele deu a ideia de tentar um emprego em Balneário Camboriú, cidade onde morava com sua mulher e filhos há mais de seis anos.

Era uma grande oportunidade de recomeçar, sempre fui um bom profissional, foi quase uma fatalidade o que aconteceu comigo, não sei quando me perdi, me deixei levar pela ganância de querer ainda mais e isso me custou muito caro.

Meus pais queriam que eu voltasse para São Paulo, inclusive me ofereceram sua casa para voltar a viver com eles, mas depois de mais uma década morando sozinho, não havia a menor possibilidade de voltar, ainda mais com a vida de solteiro que levo; festas, mulheres e amigos de farra, nunca daria certo.

Tudo estava praticamente arranjado para que a vaga que Flaviano me indicou, desse certo, só faltava a entrevista pessoal. Ainda bem que sempre fiz meu trabalho com excelência, meu ex-chefe era meu amigo e fez questão de me recomendar quando o RH da empresa ligou para saber sobre mim. O que aconteceu nos últimos dois meses na construtora, felizmente não atrapalhou os anos dedicados à minha carreira.

Vir para Balneário Camboriú era um recomeço, esperava que dessa vez eu não fosse tão burro. Amo jogar, mas infelizmente, descobri que não tenho controle, não sei quando parar.

Outro fator para que aqui me mantivesse longe de encrenca é o Flaviano. Ele é a cópia do Sr. Fernando Sampaio, nosso pai é um homem rígido e controlador, estaria em apuros caso ele soubesse o que aconteceu comigo. Passar uns dias em sua casa seria bom para me lembrar do que é ter responsabilidades com os outros, morando sozinho, eu não tinha nenhuma regra.

Para provar o meu ponto, acordei cedo para usar o banheiro e me esqueci completamente de trancar a porta. Meu sobrinho mais velho, o Júnior, entrou de repente e me pegou urinando com o pau na mão. Isso não seria nada demais, se eu não tivesse notado os olhares do rapaz sobre o meu corpo. Conhecia bem o tipinho, garoto bonito, popular, inteligente, mas algo me dizia que por trás da cara de bom menino, existia um jovem safado, daqueles que dão o tapa e escondem a mão.

O vi nascer, literalmente, estava no hospital com toda a família quando ele chegou nesse mundo. Eu era um moleque, meus pais estavam muito felizes com a chegada do primeiro neto, bem diferente de meses antes quando souberam da gravidez de Iara.

Um Bom GarotoOnde histórias criam vida. Descubra agora