Tales of a White Rabbit

Capítulo 19 - Funtimes

Do you even have a clue?
 Do you even have one?
 All the evil things we do 
Surprising that don't you run 

Knowing you will die here
 Knowing there is no way out 
Fate is evidently clear 
Now it's time to scream and shout

- Do you Even?
- Jorge Aguiar II ft. Elizabeth Ann

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•Bunny•

Observo a água corrente saindo da torneira, faço uma concha com as mãos e a encho, jogando a água no rosto e cabelo em seguida, está gelada o suficiente para fazer um calafrio subir pelas minhas costas, fecho a torneira e apoio as mãos a pia de olhos fechados e respirando fundo, então, puxo uma toalha de um ganchinho ao lado do espelho e enxugo o rosto.

Ergo a cabeça encarando meu próprio reflexo sob a luz fria e morta do banheiro, aquela mesma aparência que, quando vi da primeira vez, não acreditei que poderia ser eu. O olho verde artificial ao lado do castanho, as sardas cuidadosamente pintadas do lado esquerdo do meu rosto, tentando imitar as naturais a direita, se não me conhecesse bem, poderia dizer que são replicas perfeitas das naturais que um dia decoraram minha bochecha. Nem meu cabelo escapou de uma mudança, lentamente ele tem voltado a sua textura ondulada de sempre, eu costumava usar chapinha pra mantê-lo liso desde o ensino médio, mas, agora, ele voltou a ter as ondas suaves e com frizz, como quando eu era criança, está mais comprido do que antes, William as vezes "me ajuda" a corta-lo, queria deixar na altura dos ombros, mas ele não permitiu. Por fim, as enormes e brancas orelhas de coelho ainda decoram minha cabeça, junto de uma flor cor-de-rosa, presa na orelha da esquerda; a maior parte do tempo, elas ficam abaixadas e amedrontadas, refletindo bem como me sinto nesse inferno.

A gargantilha de pérolas ainda permanece no meu pescoço, junto do colar dourado com pingente de coração; mas as roupas mudaram, agora, um vestido branco, com as mangas caídas nos ombros e o top em estilo corset, a saia, na altura dos joelhos, possuí um degradê rosa claro na barra, subindo quase até a cintura e, como sempre, é cheia e volumosa, por conta do tule por baixo, os sapatos pretos de verniz e a meia calça escura continuam os mesmo. É quase como uma roupa de boneca. Deve ser assim que ele me vê, como uma bonequinha estúpida que apenas fica em silêncio e obedece ordens, com medo da possibilidade de se machucar mais uma vez, nada além de uma coelhinha amedrontada e escondida em sua toca.

Não tem nada mais estranho, do que se olhar no espelho e ver outra pessoa no seu lugar.

Abro a porta do banheiro, saindo para a mesma sala cinzenta e mórbida de sempre, o tempo também a mudou e mudou pra pior. Em cima da mesa de metal, sentado e sem vida está um enorme e medonho animatrônico, uma raposa, Funtime Foxy, como William chama; ao contrário dos outros, esse não possuí a cobertura colorida e protetora, que dá a cara ao animatrônico, tudo que está ali é seu esqueleto, quase completo, tubos grossos e metálicos que envolvem e protegem todos os mecanismos internos do robô, ele me lembra brevemente aqueles desenhos de músculos em livros de biologia, só que cinza e distorcido, a única coisa colorida no corpo do robô são seus olhos amarelos e mortos, que não parecem focados em nada. Enquanto estiver desligado, não pode me machucar.

Sento no banquinho em frente a mesa de metal, a uma distância segura do robô. Puxo minha mochila, jogada no chão e a deixo em cima da mesa, dali de dentro, tiro meu diário e a caneta. Dentro da mochila, estão guardadas minhas duas pelúcias, minha carteira e uma embalagem vazia de chocolate. Já deveria ter jogado essa embalagem fora, costumava comer um pedaço pra tirar o gosto ruim da comida que William me entregava da boca e, aos poucos, o chocolate foi acabando, mas não tive coragem de me livrar da embalagem, é como uma vaga memória da minha vida antes de todo esse inferno acontecer, a única coisa que tenho pra lembrar do carinho da minha família.