Quatorze

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O rosto de Áine é iluminado pela claridade atravessada pela janela, os lábios carnudos entreabertos, as bochechas fofinhas... Uma feição serena e relaxada. Seus cachos caem ao lado de seu rosto, espalhados bagunçadamente pelo travesseiro branco. Ergo minha mão para arrumá-los de um jeito que a deixaria satisfeita, sorrindo entre uma lágrima que escorre pela minha bochecha, lembrando da sua exigência com seus cachos, sempre os querendo definidos e arrumados. O suave cheirinho de melancia de seu creme se espalha levemente pelo ar.

Zari me contou enquanto esperávamos o horário em que minha Moana poderia começar a receber visitas. Ela disse que Áine havia ligado animada, dizendo que estava à procura de um jogo o qual eu tinha mencionado na tarde de ontem enquanto estávamos deitadas, de chamego, no sofá da área externa da casa de Vídia. Eu perguntei a ela sobre um bendito jogo que tínhamos feito quando crianças, e eu juro, juro que se soubesse o que iria acontecer só por pedir para ela procurar a porra desse jogo, eu nunca o teria mencionado. Zari disse que Áine estava feliz na ligação, dizendo que sentia que eu estava me apaixonando por ela, que meus olhos não mentiam. Eu sorri ao ouvir isso. Eu não estou me apaixonando, eu já estou apaixonada. Áine conseguiu seu objetivo de fazer meu coração bater acelerado por ela.

Áine foi procurar o jogo em um quartinho onde ficam guardadas as tralhas ou coisas que não são usadas com frequência. Ela viu uma caixa rosa, a antiga caixa em que guardávamos nossas artes. Enquanto falava com Zari, ela ajeitava uma escada para subir e pegar a caixa. Zarina disse que o jogo estava ali dentro, mas que depois das palavras animadas de Áine ao pegar a caixa, ela ouviu apenas um grito e um grande baque estrondoso.

- Eu juro que... se você acordar logo, eu prometo que aprendo matemática, para nunca mais ficar te enchendo o saco pedindo ajuda - falo com a voz embargada de culpa, alisando sua bochecha rechonchuda. - Se eu não tivesse falado dessa porra de jogo, você não estaria aqui. - Olho para o lado, o monitor cardíaco exibe linhas que mostram seus batimentos, junto a um som baixo a cada pulso. - Acho que você está bem, né!? - Volto a olhá-la. - Pelo pouco que eu sei, essa máquina aparenta estar calma. Você que entende dessas coisas. - Tento abrir um sorriso. - Acorda, Moana. Eu preciso que você acorde logo, para ir para casa logo, para eu lhe dizer logo que estou apaixonada por você.

Calma, Selene, respira.

Me sento na poltrona creme ao lado da sua cama, desço a mão que estava em seu rosto e seguro a sua, fazendo um suave carinho em seus dedos. Não gosto de hospital, sempre me senti desconfortável no ambiente gelado e com cheiro forte de desinfetante, mas tia Martina soube montar muito bem esse; não me sinto tão desconfortável como me sentiria em algum outro. Acho que por já estar acostumada com ele desde pequena, estou me sentindo bem estando aqui.

- Chegou quem faltava nessa bagaça - Vídia anuncia fechando a porta após Zarina passar por ela.

As olho com uma sobrancelha erguida.

- A mãe da bochechuda é a dona, temos nossos privilégios por fazermos parte da família - Zari diz após deixar um beijo na testa de Áine. Seu rosto está um pouco vermelho e seus olhos pequenos denunciam seu choro antes de entrar aqui.

- O sangue até é o mesmo, né? - Brinco e  vejo a safada concordar com a maior cara de pau.

- Ela está numa preguiça boa, né!? - Vídia põe as mãos na cintura. - Acorda, fia. Tá achando que a vida é um morango? Ou uma melancia?

- Tia Martina disse que ela pode acordar a qualquer momento - Zari senta no sofá cinza e agarra uma almofada amarela contra o peito.

- Ela parece ta bem - olho pra Áine, seu peito sobe e desce em uma respiração calma.

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