O Stalker
Do canto mais sombrio do corredor, onde a luz dos neons não alcançava, eu observava Mariana. O brilho fraco e estéril das luzes revelava detalhes apenas onde desejava, deixando o restante envolto em uma penumbra silenciosa e opressora.
Aquela presença familiar ao meu lado, uma sombra que sempre se fazia notar, era o que me mantinha na linha. No entanto, havia algo que me perturbava: o pensamento em Daniel.
Ele não deveria ter visto. Quando passei pela casa dele, pegando um atalho até o apartamento de Mariana, segurava o gato morto — um troféu da minha busca. Não pensei que Daniel estivesse no quintal. Seu olhar, cheio de horror e confusão, se encontrou com o meu por um breve momento. Ele não deveria ter visto isso. Não deveria saber que eu existo.
Ele era apenas um garoto, mas o que sabia poderia arruinar tudo. Quando Daniel se virou para entrar em casa, não hesitei. Em um piscar de olhos, arrastei-o para as sombras, minha mão cobrindo sua boca antes que pudesse gritar. Ele não fazia parte do que estava construindo com Mariana, mas sua presença poderia ser um risco. Se ele falasse, se contasse a alguém...
Foi em uma noite chuvosa, enquanto caminhava pelas ruas desertas, que cruzei com Diego pela primeira vez. Ele estava sentado em um banco de praça, ensopado e vulnerável, perdido em seus próprios pensamentos. A solidão emanava dele, uma sensação que me era familiar. Atraído pela aura de tristeza que o envolvia, aproximei-me. Começamos a conversar sobre arte, sonhos e esperanças despedaçadas.
Diego havia conhecido Mariana no planetário, e era evidente que ele estava apaixonado por ela. Ele falava dela com uma intensidade que revelava seu afeto, mas também uma profunda tristeza. Isso despertou um ciúme sutil dentro de mim. Como ele podia sonhar com ela assim, sem saber que estava apenas brincando com fogo? Ele acreditava que a estava protegendo, ignorando as verdadeiras forças que se moviam nas sombras.
O brilho nos olhos dele enquanto olhava para ela me consumia por dentro. A ideia de que outro homem pudesse ter acesso a Mariana me deixava irritado, como se um veneno estivesse se espalhando em minhas veias. Mas eu não podia deixá-lo saber.
Minha mente se voltou novamente para Mariana, agora cercada por aqueles que não podiam proteger sua alma. Aproximei-me, cada passo ressoando com a inevitabilidade do destino. "O que vou fazer com você, Mariana?" sussurrei, malicioso. "Esse garoto pode ser uma pedra no meu caminho."
Enquanto observava sua fragilidade, a imagem de Daniel na escuridão se firmou em minha mente. Ele estava fora de vista, longe de qualquer ajuda, e isso me deu um certo alívio. Mas, mesmo assim, o risco permanecia.
Mariana estava ali, tão vulnerável, tão próxima de se tornar completamente minha. E eu não poderia permitir que nada, nem mesmo Daniel, interferisse em meus planos.
O silêncio do hospital tornava-se ensurdecedor. A batida do coração de Mariana ecoava em meus ouvidos, um lembrete constante do tempo que passava e da minha necessidade de agir. Em breve, tudo seria resolvido. "E se Daniel for um obstáculo, eu encontrarei uma maneira de eliminá-lo."
E assim, com o plano para a imortalidade tomando forma, meu olhar se fixou em Mariana. O tempo se tornava um aliado, e eu estava determinado a seguir em frente, independentemente dos desafios que aparecessem. Ela sempre foi minha. Sempre será.
Eu a vi tremer naquela cama de hospital, tão frágil, tão vulnerável. Era quase poético, ver como a carne humana, por mais resistente que fosse, sucumbia ao tempo, à doença e, por fim, à inevitabilidade do destino. Sua mãe e Diego estavam lá, ao lado dela, cercando-a com uma preocupação impotente. Seus rostos estavam tensos, seus lábios formando palavras mudas de consolo, enquanto ela afundava cada vez mais na inconsciência. Mas eles não podiam protegê-la de mim. Eles nem sequer sabiam que eu existia, que estava mais próximo do que jamais poderiam imaginar.
Eu a estava perseguindo há tanto tempo... muito antes de o melanoma se instalar em seu corpo, corroendo sua vitalidade. E agora, o fim se aproximava.
Não o fim de sua vida, como ela temia. Não. O verdadeiro fim era o fim de quem ela pensava ser. Porque, no fundo, Mariana sempre pertenceu a mim. Ela sempre pertenceu.
O movimento dos enfermeiros e médicos era quase imperceptível para mim, como vultos esmaecidos no fundo de uma tela embaçada. Eles passavam por mim, ignorando minha presença como se eu fosse invisível. E, de certa forma, eu era. Para eles, eu era apenas mais um vulto nas extremidades da percepção, uma figura efêmera que sumiria ao virar de uma esquina. Mas para Mariana? Eu era inevitável.
Eu a observava atentamente enquanto a enfermeira ajustava os tubos e explicava os preparativos para a cirurgia. Mariana, sempre tão resiliente, ainda tentava parecer forte, mesmo quando a luz já começava a apagar em seus olhos. Uma luta fútil, mas admirável. Ela sempre lutou contra o inevitável, contra o destino que já estava selado muito antes de ela nascer. Seu corpo estava traindo-a, as células se degenerando, apodrecendo. E logo sua mente faria o mesmo.
Eu já havia planejado cada detalhe deste momento. Cada segundo era uma coreografia macabra. Eu a manteria viva o suficiente para que ela compreendesse quem eu realmente sou e o que ela representa para mim. A doença? Era apenas uma distração, um prelúdio. O verdadeiro confronto seria entre nós dois, naquele limiar tênue entre a vida e a morte, onde os sonhos se misturam com a realidade, onde as máscaras caem. E quando esse momento chegasse, quando estivéssemos sozinhos no abismo, eu a tomaria por completo.
De repente, algo mudou. Mariana virou a cabeça, seus olhos ainda nebulosos, semicerrados pela anestesia, mas ela olhou diretamente em minha direção. Por um instante - um único e breve instante - nossos olhares se cruzaram. Ela não podia me ver, não de fato, mas eu senti. Ela sabia. O brilho de pavor que atravessou seus olhos foi suficiente. Mariana sentiu minha presença, mesmo que não pudesse explicá-la. Mesmo que não pudesse compreendê-la. Um sorriso cresceu por trás da minha máscara. Ela já estava começando a entender, mesmo que apenas em fragmentos.
Ela não poderia fugir de mim.
Nunca.
O ambiente parecia tremer junto com ela, como se o hospital inteiro pulsasse com a expectativa. A luz fria piscou, projetando sombras dançantes nas paredes brancas e estéreis. Mariana piscava lentamente, seus olhos começando a perder o foco enquanto a anestesia tomava conta de seu corpo. Eu me movi, silencioso como a própria escuridão, meus passos eram quase como o bater de asas de um corvo na noite. O bisturi estava pronto, afiado e brilhante sobre a bandeja metálica ao lado da cama. Os médicos, distraídos com suas rotinas, murmuravam os procedimentos, ignorando-me completamente.
Eu só tinha olhos para ela.
A rosa que eu segurava parecia deslocada naquele ambiente clínico. Seu vermelho era profundo, quase pulsante, e sob a luz artificial, as pétalas assumiam um brilho mórbido. Eu trouxe a flor até o rosto de Mariana, tão perto que os espinhos quase roçaram sua pele. Cada movimento era calculado, cada gesto feito com uma precisão cirúrgica. Mariana suspirou, um som quase inaudível, mas eu percebi. Seus lábios se moveram levemente, e por um momento, pensei que ela tentava pronunciar meu nome.
A seda das pétalas deslizou pela pele dela, lenta e suavemente, como uma lembrança distante. Ela estremeceu. Não de dor, mas de uma compreensão inconsciente. Sua mente lutava para reagir, para entender o que acontecia com ela. Era inútil. Eu já havia vencido.
Com um gesto quase afetuoso, deixei a flor repousar sobre seu peito, exatamente no ponto onde o lençol branco se encontrava com o monitor cardíaco. O ritmo do aparelho soava baixo, mas constante, como uma batida distante. O som frio e mecânico que marcava os segundos de vida que restavam, mas logo aquele ritmo mudaria. Em breve, o coração dela bateria no mesmo compasso do meu.
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O Universo entre nós
RomanceMariana, Diego e um céu infinito a ser explorado. Mariana, com um câncer terminal, e Diego, com uma vida saudável, se encontraram por um acaso que parecia predestinado. Apaixonada pelas estrelas desde a infância, Mariana sempre sonhou em ser astrôno...