Capitulo 15: O pós operatório

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Mariana

A sala de cirurgia era fria, contrastando o meu corpo quente. A anestesia já começava a fazer efeito, e eu o vi.

No canto da sala, escondido. O homem com uma máscara preta se aproximava de mim. Ele segurava uma rosa, e a aproximou do meu rosto enquanto sussurava: 

— Só mais um pouco, Mariana —Logo, você vai me ver. E aí, tudo fará sentido.

Um medo percorreu meu corpo, e mesmo sem eu querer, cedendo aos remédios, meus olhos se fecham.

Meus olhos pesavam, como se uma força invisível estivesse me puxando para um abismo de escuridão. A voz dele, suave e quase carinhosa, ressoava na minha mente. Eu queria lutar contra o efeito da anestesia, queria gritar, mas meu corpo não obedecia. Estava ficando cada vez mais difícil discernir o que era real e o que era o devaneio de uma mente subjugada pelos medicamentos.

O sussurro dele ainda reverberava dentro de mim, mesclado com o som distante dos instrumentos médicos sendo manipulados. Minha pele, agora fria e pálida, ainda sentia o toque das pétalas da rosa que ele deixara sobre o meu peito, como um lembrete cruel de sua presença inescapável.

Naquele instante, fui arrastada para um abismo.

Eu me via em uma floresta, envolta em névoa espessa, que parecia pulsar junto ao ritmo do meu coração. As árvores eram altas, seus galhos retorcidos formavam sombras que pareciam se mover sozinhas. E lá, no centro daquela clareira, ele estava. O homem mascarado, me esperando, segurando a mesma rosa entre os dedos pálidos.

— Você me encontrou novamente, Mariana — disse ele, sua voz ecoando entre as árvores mortas. — Aqui, onde o real e o sonho se misturam. Não adianta fugir mais. Você sempre volta para mim.

Eu recuei um passo, mas meu corpo parecia pesado, preso ao chão. A cada movimento, a floresta parecia estreitar-se ao meu redor, como se estivesse viva, como se fosse parte do próprio homem que agora avançava em minha direção. O vento gelado trazia consigo o cheiro de rosas secas e terra úmida, um odor que agora me sufocava.

— O que você quer de mim? — consegui murmurar, minha voz saindo fraca, como se fosse absorvida pelo ambiente hostil.

— Quero que você se lembre de quem é. De quem sempre foi — ele respondeu, a máscara ocultando qualquer expressão, mas eu podia sentir seu olhar queimando sobre mim. — Você pertence a mim, Mariana. Sempre pertenceu.

As palavras dele carregavam um peso que eu não conseguia compreender por completo, mas algo dentro de mim reagia. Uma parte profunda e adormecida que, ao ser tocada por aquelas palavras, parecia querer acordar.

Eu não conseguia mais distinguir o que era meu e o que ele estava me forçando a lembrar.

O homem se aproximou mais, a rosa em sua mão agora começava a secar, suas pétalas caindo lentamente no chão, murchas e quebradiças, mas ele não parecia se importar. Quando sua mão tocou meu rosto, um calafrio percorreu meu corpo, e tudo ao nosso redor começou a se transformar. O cenário da floresta desapareceu, dando lugar a uma câmara escura, paredes de pedra envoltas em símbolos arcaicos que pulsavam com uma luz vermelha.

— Isso... — ele sussurrou, inclinando-se mais perto, a máscara quase tocando minha pele. — É onde você pertence.

Eu senti o chão tremer sob meus pés, um zumbido crescente preenchendo o ar. Naquele instante, eu sabia que ele estava me levando para algum lugar muito além dos limites da vida e da morte.

De repente, a dor. Intensa, como se algo dentro de mim estivesse sendo arrancado à força. Meus olhos se arregalaram, e, apesar de minha voz fraca, gritei. Não conseguia dizer se estava no mundo dos sonhos ou de volta à sala de cirurgia, mas podia ouvir os monitores apitarem em pânico, o som rápido e irregular do meu coração sendo capturado pelas máquinas.

E então, a voz dele novamente, firme, suave, inescapável.

— Logo, Mariana. Logo você será completamente minha.

Então, tudo se desvanece, como um simples pesadelo. Sou levada a uma completa escuridão, e nela eu descanso.

Aos poucos, a escuridão que me envolvia começou a se dissipar, e abri os olhos novamente, desta vez para algo completamente diferente. A primeira coisa que senti foi a pressão do colchão contra meu corpo e o cheiro forte de desinfetante que permeava o ar. Um zumbido baixo de máquinas, monitores cardíacos e respirações lentas preenchia o ambiente. Pisquei várias vezes, tentando ajustar minha visão turva, até que percebi onde estava.

Eu não estava mais naquela sala sombria, nem havia sinal do homem mascarado.

Estava de volta ao hospital.

O teto branco e os painéis de luz familiarizaram minha mente atordoada, e, ao virar a cabeça, reconheci o monitor que registrava meus batimentos cardíacos. Ao lado da cama, numa cadeira de hospital desconfortável, estava minha mãe, a cabeça inclinada para o lado, como se tivesse adormecido enquanto segurava minha mão. Seus dedos apertavam os meus de forma delicada, mas constante, como se tivesse medo de me perder a qualquer segundo.

Senti um nó se formar na garganta. Estava de volta, mas aquele toque frio e a presença do homem mascarado ainda assombravam meus sentidos. Foi apenas um pesadelo? O medo parecia ter seguido comigo para este lugar. A realidade de estar de volta à sala de observação do hospital não trazia o alívio que eu esperava. As sombras de tudo que havia experimentado continuavam a pairar sobre mim.

O monitor apitou baixinho, e isso pareceu acordar minha mãe. Seus olhos inchados abriram-se lentamente, e, quando me viu consciente, o alívio em seu rosto foi imediato. Ela se inclinou para frente, lágrimas ameaçando cair, e apertou minha mão com mais força.

— Mariana! Graças a Deus, você acordou — sua voz saiu trêmula, a emoção escorrendo em cada palavra.

Eu tentei falar, mas minha boca estava seca, e minha cabeça ainda girava com os resquícios da anestesia. Tudo parecia desconectado, como se eu estivesse em dois mundos ao mesmo tempo. O hospital ao meu redor me prendia à realidade, mas as lembranças daquela outra sala — a luz amarelada, a presença dele — ainda pulsavam dentro de mim como uma verdade que eu não podia negar.

Minha mãe começou a murmurar palavras de conforto, dizendo que a cirurgia tinha corrido bem, que os médicos estavam otimistas. Mas eu mal ouvia. A voz dela era abafada, distante. Minha mente estava presa no terror que vivi antes de acordar, naquela sensação de ser observada, seguida. E aquela frase... "Você sempre pertenceu a mim."

Fechei os olhos por um instante, tentando apagar aquela lembrança, mas, no fundo, sabia que aquilo não era apenas um sonho.

Tentei me concentrar nas palavras da minha mãe, no tom suave e na tentativa desesperada de me acalmar, mas a realidade ao meu redor se misturava com as sombras que ainda ecoavam na minha mente. Eu queria acreditar que tudo tinha acabado, que o homem mascarado era apenas uma ilusão trazida pela anestesia e pelo medo. Mas algo não estava certo.

Ainda sentia aquele toque frio, a pétala da rosa deslizando sobre minha pele, os sussurros que pareciam tão reais.

— Como você está se sentindo? — minha mãe perguntou, a voz dela embargada de preocupação.

Eu abri os lábios, mas as palavras pareciam presas na garganta. Uma dor aguda no peito me fez hesitar, como se houvesse algo mais, algo preso dentro de mim, que não conseguia colocar em palavras. Respirei fundo, tentando encontrar minha voz.

— Eu... — minha voz saiu rouca, quase irreconhecível. — Foi um pesadelo.

Minha mãe balançou a cabeça suavemente, os olhos vermelhos de cansaço e alívio.

— Está tudo bem agora. Você está segura. A cirurgia acabou.

Mas o que ela não entendia, o que ninguém ali compreendia, era que o verdadeiro pesadelo não tinha terminado. Ainda estava começando. Havia algo errado, algo que eu não conseguia explicar. E, enquanto olhava para a sala de hospital à minha volta, tudo parecia deslocado, fora de lugar. Como se, a qualquer momento, a escuridão pudesse voltar, e eu seria arrastada de novo para aquele lugar sombrio, onde ele estava me esperando.

Eu fechei os olhos com força, tentando me reconectar à realidade. Mas, quando o fiz, senti algo frio e macio na palma da minha mão. Meu coração deu um salto. Lentamente, abri os dedos.

Lá, sobre minha pele, estava uma pétala de rosa, vermelha como sangue.

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