Capítulo 19

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Acordei pela manhã e não encontrei o Rafael em casa. Ele havia ido até a Nord,mas voltaria antes do almoço, pelo menos foi o que estava escrito no post it que deixou sobre a mesa.
Fiz apenas o meu café da manhã e o da  Alface.
Depois de organizar toda casa,fui até a pequena horta que ficava na varanda e colhi cebolinhas para preparar o almoço. Não sabia ao certo quanto tempo o Rafael ainda iria demorar e quais novidades traria com ele, então fiz uma rápida oração, pedindo que Deus convencesse aquela mulher para que ele chegasse até a mim com boas notícias. Corri até a porta quando ouvi ela abrir.
-Me diz que conseguiu! -  minhas unhas receberam o peso da ansiedade.
-Acabei de levá-la até a Lorena - estava com um sorriso de missão cumprida no rosto.
-Obrigada, obrigada! - joguei meu corpo sobre ele em um abraço eufórico e dei pulinhos de alegria. - como conseguiu? - me afastei envergonhada,senti todo o rosto queimar quando nossos olhares se cruzaram e seu silêncio me atormentava.
-Consegui um novo emprego para ela e se tudo ocorrer bem e o esposo dela for inocentado,ele também terá um. - limpou a garganta antes de falar e ignorou meu constrangimento.
-Meu Deus,eu não tenho como te agradecer Rafael, não apenas por isso,mas por tudo. - recebi dele um singelo sorriso.

-Está tudo bem? - o questionei depois de ele me deixar entrar no quarto,eram sete da noite quando concluir que se não insistisse ele não me contaria o que tinha acontecido naquela tarde. Estava muito pensativo e com a mente distante desde que havia chegado da reunião.
- Aconteceu algo?
-Está tudo bem . - forçou um sorriso. - amanhã estarei voltando pra casa,já tem uns dias que estou aqui e deve ser desconfortável pra você. - dobrava algumas roupas enquanto falava.
-Não,não está e o problema não é esse. A casa é sua e você aqui não me deixa desconfortável,pelo contrário. - ele parou o que fazia para me olhar, então vi um olhar de dúvida e bem lá no fundo uma tristeza. Tirei a camiseta que estava em sua mão e sentei na cama,bati levemente com a mão direita ao meu lado como um pedido que fizesse o mesmo.
- porque é tao difícil voce se abrir comigo? eu também posso te ouvir,podemos conversar sobre você,suas dificuldades,seus medos até mesmo seu passado,caso isso não te deixe desconfortável. - sua cabeça baixou lentamente- Não precisa ser sempre quem escuta e ajuda,posso fazer isso por você também, Rafael. 
-Você tem muito o que pensar,sua vida está uma loucura e eu não vou te encher com coisas minhas. - voltou a olhar para a parede lisa a sua frente.
-Meus problemas não anulam os seus. - ele pensou alguns segundos antes de finalmente ceder.
-Hoje me encontrei com o CEO da Nord…
-Não foi uma conversa amigável ? - com o pouco tempo que trabalhei naquele lugar,eu sabia que o Sr. Carlos não era um homem de muitas palavras.
-Eu precisava de explicações. O porquê de tanta persistência da parte dele por esta casa.
-Então,conseguiu respostas? - pergunta boba,estava nitidamente claro que sim.
-No passado meu pai fez algum tipo de acordo com o pai do Sr.Carlos. Algo que nunca imaginei na vida. - fechou os olhos por alguns segundos e respirou fundo - Ele estava falido,tudo que lhe restou foi esta casa e algumas dívidas,quando notou que já não tinha mais saída resolveu vendê-la. E meu pai a comprou por um preço maior que o mercado poderia oferecer,eram amigos ou algo parecido. O meu pai garantiu que após ele se reerguer estaria disposto a vendê-la de volta. Mas isso nunca aconteceu pois segundo o Sr.Carlos,seu pai morreu alguns anos depois,espancado por agiotas. 
-Meu Deus. - fui surpreendida com a informação e coloquei minha mão sobre a boca.
-No leito de morte ele resolveu confessar a sua esposa que mentiu para os agiotas, dizendo ter sido obrigado a vender a casa ao meu pai. Ele ainda prometeu a essas pessoas que - fecha os olhos e respira fundo mais uma vez e minha aflição com toda aquela história aumentava cada vez mais - Disse que se minha família "sumisse" ele teria contatos que conseguiriam pôr de volta a casa em seu nome e tudo estaria resolvido.
-Espera…- fiquei de pé na sua frente - o acidente! - Meus olhos já estavam cheios de lágrimas. Um nó havia se formado em minha garganta.
-Sim. - seus lábios tremiam e uma lágrima solitaria desceu sobre seu rosto,segurei sua mão e a apertei fortemente. - a polícia nunca encontrou a supostos motorista bêbado que causou o acidente matando meus pais. Nunca recebemos nenhum andamento das investigações. Me lembro de sempre ouvir minha vó dizer às pessoas que o acidente não fazia sentido algum,que havia algo de errado e que o delegado não estava se esforçando para encontrar o culpado.
-Eu sinto muito,Rafael. - o abracei e senti suas lágrimas molharem minha blusa.
-Meus pais foram assassinados,Anne - falou entre altos soluços com suas mãos envolta de mim apertando meu corpo -  era pra eu também ter morrido naquele acidente.
-Não repete isso nunca mais,Rafael. - o repreendi tentando manter minha emoção. O abracei ainda mais forte enquanto sentia os movimentosdos seus soluços.
-Não imaginei que depois de tantos anos seria tão doloroso saber o que realmente aconteceu com eles. Eu já não esperava mais ter resposta e agora simplesmente ela aparece. - Rafael continuou depois de se recompor e respirar profundamente.
-Sei que passou um tempo se sentindo mal por ser o único sobrevivente do acidente e que chegou a se sentir egoísta em agradecer por esse milagre. Mas a pessoa que você é hoje prova sua gratidão por ter sobrevivido e você melhor do que ninguém sabe o quanto seus pais estariam orgulhosos se vissem o homem que o filho se tornou.
-Eu sempre quis a resposta mas não pensei que poderia não estar preparado pra ouvi-la.
-É normal se sentir assim, não se cobre tanto. - Acariciei seus cabelos,sentindo sua macieis sobre meus dedos - mas porque após tantos anos apenas agora ele voltou a insistir pela casa.
-Porque a dívida nunca foi paga. Eles não tiveram a casa pois alguém sobreviveu - me afastei um pouco pra lhe olhar nos olhos,franzi o cenho imaginando aonde aquela conversa chegaria. - a casa passou a me pertencer,o pai dele faleceu e a mãe já tem alguns anos que não consegue mais pagar os juros dessa dívida.
-Então a casa é a solução do Sr.Carlos.
-E por esse motivo ele tentou mais uma vez me convencer a vendê-la.
-A Nord é uma empresa de nome,como ele pode não ter dinheiro pra cobrir essa dívida e se livrar dessas pessoas?
-Porque é um risco para a empresa,Anne. Estamos falando de muito dinheiro e anos de juros. Estamos falando de Carlos conseguir a casa ou ter possivelmente seu império falido.
-Então ele não vai parar.
-Não,ele não vai... - senti um calafrio percorrer todo meu corpo.
-Precisa ter cuidado - aconselho ao pensar no que ele pode fazer para conseguir o que quer.
-Eu não quero que se preocupe com isso.
-Como não, Rafael? Olha o caos que ele causou na minha vida apenas pra te atingir.
-E eu sinto muito por isso,me culpo por ter te colocado nessa bagunça. - disse cauteloso.
-Você não me colocou nela,você me deu abrigo e não quero que se culpe por nada.
-E o meu abrigo está sendo você,Anne - senti sua mão quente em meu rosto e fechei meus olhos.
-Vamos dar um jeito - coloquei minha mão sobre a sua - no final dessa tempestade Deus nos dará vitória - o olhei com um leve sorriso.
-Os seus pais também sentiriam muito orgulho de você - diz após alguns segundos.
-Me abandonaram mas nunca deixei de amá-los, a distância nunca mudará isso e é bem melhor deixar as coisas do jeito que estão.
-É o que realmente quer?
Perdoar a si mesmo leva tempo. É como a distância da raiz de uma árvore até as suas folhas. - me afasto aos poucos - Vou te deixar acabar aqui. - apontei para a bagunça que estava sobre a cama e ele assentiu com um sorriso discreto.

Entre o casulo e a borboleta (Livro 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora