Capítulo XXIII

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-«—«- Nostalgia -»—»-

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At'anau percebeu que não era a ausência dela que particularmente tinha irritado o garoto, mas o conceito de alguém a menos em quem eles podiam confiar. Dentro do clã dela, todos eles contavam uns com os outros e ela vivia por esse princípio.

Perceber que o garoto que demonstrava um comportamento indiferente tinha a mesma moral que ela, a fez refletir sobre essas duas figuras dele.

Ela não o via muito, mas nas poucas vezes em que se encontravam, seus preconceitos tinham crescido tanto que ela não conseguia sequer pensar em ter um acordo com o garoto. Ao'nung frequentemente pegava a garota observando o céu, mas ela nunca mencionava o que estava observando.

Quando os dois notaram que estavam no último par de peixes para amarrar, a garota perguntou para Ao'nung:

— Precisam de mim amanhã?

Por um segundo ela esperou um sorriso de escárnio aparecer nos lábios dele, como um lembrete de que ela nunca seria necessária de forma alguma em Awa'atlu, mas em vez disso ela viu o garoto pensando.

— Sem nenhum conhecimento de pesca em águas profundas? — Ele começou a amarrar o último peixe que tinha. Perdendo como At'anau já havia pendurado o dela e esperado por sua resposta. — Você seria inútil.

O garoto despejou os baldes de água e os empilhou um sobre o outro antes de recolher todas as facas na mesa. A garota o copiou e colocou o equipamento de volta no lugar quando o viu fazer o mesmo.

At'anau ficou intrigada ao ouvir sobre uma habilidade que ela ainda não dominava, então teria outra chance de mostrar seu potencial.

— Ninguém vai me ensinar? — Ela questionou, olhando para a maneira como ele limpava as facas apressadamente. Ela não queria pedir explicitamente que ele a ensinasse, mas ela presumiu que ele conseguia ler nas entrelinhas.

— Você já está sendo um fardo grande o suficiente.

At'anau não tinha nada a dizer sobre isso, talvez ele não fosse tão apaixonado em compartilhar sua cultura quanto ela pensava. Ela logo se lembrou de como ele expressou sua percepção dela como uma sombra, uma seguidora, e de como ela o prejudicou. Ele tinha o mesmo instinto de vê-la como um peso e uma corrente presa ao pé de alguém. Não significava que ela não foi afetada pelas palavras dele, de forma alguma. Suas orelhas inconscientemente se abaixaram pois ela podia ver seu reflexo aflito no metal limpo em suas mãos.

O garoto começou a sair e a garota não se opôs, já sabendo o caminho, mas não percebeu como o garoto a observava pelas costas enquanto ela guardava as últimas facas em segurança e em silêncio.

— Saímos ao amanhecer.

Ao'nung sabia que ele tinha falado alto o suficiente pelo movimento da orelha dela, que foi a única resposta que ele obteve antes de se virar e voltar para casa.

A brisa era fresca, a noite fria amanhecia sobre ela, o que ritualmente desencadeava lembranças de sua casa. Toda noite ela questionava o bem-estar de seus entes queridos distantes e se eles sentiriam tanto a falta deles.

Na floresta ela se sentiu vista, confortável e confiável, por isso suspeitou da possibilidade de chamar de "lar" um lugar que a fazia se sentir tão indesejada.

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No casulo Marui completamente lotado, a família começou a adormecer, uma luz fraca do fogo do lado de fora tingindo a tenda com uma cor quente e relaxante. Já fazia um tempo que a mulher não adormecia com a mais nova nos braços, mas o lugar vazio ao lado dela a mantinha acordada. Neytiri chamou o marido que estava sentado perto do fogo, responsável pelo leve aroma de comida grelhada no ar.

ᵀʰʳᵒᵘᵍʰ ᵀʰᵉ ⱽᵃˡˡᵉʸ • ᴬᵒ'ⁿᵘⁿᵍOnde histórias criam vida. Descubra agora