18 - O Veneno do Ciúmes

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Julianne saiu da ilha de edição sem olhar para ninguém. Cada passo parecia um esforço para conter a tempestade que rugia dentro de si. Sentia-se tomada por emoções que não conseguia identificar completamente. Parou em um canto isolado do estúdio, encostando-se na parede e respirando fundo, tentando acalmar a fúria crescente que borbulhava como um veneno em suas veias.

Nunca fora de natureza ciumenta. Sempre foi segura de si, confiando no que tinha com Christiane e Meryl, cada uma de um modo único e especial. Mas assistir aquela cena, ver a intensidade nos olhos de Christiane, o desejo tão palpável entre elas, e a entrega de Meryl, algo profundamente genuíno, a abalara de uma forma que ela não estava preparada para lidar.

— Respira, Julianne... — murmurou para si mesma, tentando domar o ciúme que corria livre dentro dela.

Julianne era racional, alguém que entendia que seu relacionamento com Christiane e Meryl era complexo, fora dos moldes tradicionais. Aceitava isso, até gostava da ideia de não estar presa a convenções, de viver algo que era tão diferente e intenso. Mas, ao ver a troca entre as duas, algo nela quebrou. Sentia-se uma intrusa em seu próprio relacionamento, como se estivesse assistindo a um vínculo do qual ela não fazia parte.

Passou a mão pelos cabelos, tentando afastar o pensamento de que Meryl e Christiane haviam compartilhado algo mais do que uma cena. Tentava entender como duas pessoas poderiam despertar sentimentos tão diferentes e, ao mesmo tempo, igualmente avassaladores dentro dela. O que mais a irritava era não saber a origem exata de sua raiva: se era pelo que presenciara, pelo medo de perder o que tinha, ou pela simples constatação de que não tinha controle sobre nada daquilo.

Foi então que Christiane a encontrou. A atriz, sempre perceptiva, aproximou-se em silêncio, notando o jeito tenso e perdido de Julianne.

— Jules? — Christiane chamou, sua voz suave, mas carregada de preocupação. — Está tudo bem?

Julianne mordeu o lábio, sua garganta apertada, e tentou sorrir, mas o esforço foi em vão. Christiane estreitou os olhos, se aproximando devagar.

— O que houve? — insistiu, com um tom mais firme. — Me fala o que está acontecendo.

— O que está acontecendo? — Julianne repetiu, sua voz tremendo, mais em um desabafo do que em uma pergunta. — Eu vi vocês... A maneira como você olhou para ela, como ela reagiu ao seu toque... Como eu devia me sentir vendo isso? — As palavras saíram antes que pudesse se conter.

Christiane arregalou os olhos por um momento, pegando Julianne de surpresa.

— Jules, nós estávamos atuando... — Christiane tentou explicar, mas Julianne levantou a mão, pedindo para que ela parasse.

— Atuando? Você quer que eu realmente acredite nisso? Nós transamos quase a madrugada toda Christiane Torloni e isso me dá bagagem o suficiente para entender que não teve nada de ficção ali. — Julianne interrompeu, sua voz carregada de frustração e tristeza. — Acha que eu não conheço vocês duas o suficiente para perceber a diferença? Não foi apenas atuação, Christiane... — Respirou fundo, as mãos trêmulas de nervosismo. — Havia algo mais ali, algo que vocês sentiram, e eu fiquei assistindo tudo acontecer... Sem fazer nada, me sentindo excluída.

Christiane ficou em silêncio por alguns instantes, digerindo as palavras de Julianne. Havia algo sincero no tom dela, algo que a tocou de um jeito que ela não esperava. Ela sabia que havia uma conexão entre ela e Meryl que transcendia o trabalho, mas nunca achou que isso afetaria Julianne de forma tão profunda.

— Eu não queria te machucar, minha criança... — Christiane murmurou, com a voz quase sussurrada. — Mas eu não sei o que dizer, porque você não está errada.

Julianne fechou os olhos, sentindo uma dor aguda no peito ao ouvir a confirmação que temia. Não sabia se estava mais irritada por sentir ciúmes de algo que considerava irracional ou por perceber que, mesmo tentando ser aberta, ainda havia territórios inexplorados entre elas.

— Não me chame de "minha criança", não agora, enquanto estou fazendo um esforço tremendo para não voar no seu pescoço. Então o que somos, Christiane? Como eu faço para lidar com tudo isso? — Julianne perguntou, quase sem fôlego.

Christiane deu um passo adiante, aproximando-se de Julianne, e estendeu a mão para tocá-la, mas a ruiva se afastou, erguendo o olhar para ela com um misto de raiva e mágoa.

— Eu não sei... — respondeu Christiane, em um tom sincero e quase desesperado. — Eu só sei que não quero te perder, a nenhuma de vocês.

Julianne encarou Christiane, sentindo o peso daquelas palavras. Sentia-se dividida entre a dor de ver o elo entre as duas e o amor que ainda a mantinha ali. Em seu íntimo, sabia que o ciúme não era apenas um reflexo de insegurança, mas de medo. Medo de ser deixada para trás em um laço que parecia ficar mais forte a cada dia.

— Eu preciso de um tempo, Christiane — murmurou Julianne, sua voz trêmula, mas determinada. — Preciso entender o que estou sentindo antes que isso nos consuma.

Christiane assentiu, visivelmente afetada, mas respeitou o pedido de Julianne, mesmo que isso a machucasse. Sabia que qualquer insistência só pioraria as coisas. Observou enquanto Julianne se afastava, cada passo seu ecoando o som de algo que parecia estar se rompendo lentamente entre elas.

As duas caminharam em silêncio até o estacionamento, onde se deram conta de que Meryl as havia deixado para trás. Era um sinal claro de que algo estava profundamente errado. Christiane olhou ao redor, como se esperasse encontrar algum resquício da presença de Meryl, mas não havia nada além do vazio frio e cinzento do estacionamento mal iluminado.

— Vamos pedir um carro... — murmurou Julianne, sem olhar diretamente para Christiane, com o olhar perdido na tela do celular enquanto solicitava um aplicativo de transporte.

O silêncio entre elas se prolongou enquanto esperavam o carro. Christiane quis dizer algo, qualquer coisa que pudesse amenizar o que estavam sentindo, mas não encontrava palavras. Quando o carro chegou, ambas entraram, e o trajeto para o chalé se deu da mesma forma: quieto e carregado de emoções não ditas. Julianne olhava pela janela, perdida em seus próprios pensamentos, enquanto Christiane, ao seu lado, tentava encontrar um sentido para a confusão que se instaurava entre as três.

Ao chegarem no chalé, a tensão era quase palpável. Julianne saiu do carro com pressa, mal se importando se Christiane a seguia ou não. Esta, por sua vez, hesitou por um momento antes de fechar a porta do carro, tomando um instante para respirar fundo e tentar manter a calma. Ambas entraram na casa, sentindo o ambiente familiar se tornar subitamente estranho.

— Jules... — chamou Christiane, tentando encontrar um tom suave e apaziguador. — Vamos conversar, por favor meu bem...

Julianne parou por um instante, de costas para Christiane, e fechou os olhos, como se tentasse se segurar para não desabar. Então, virou-se, sua expressão fechada, e Christiane percebeu o quanto aquelas emoções estavam sendo difíceis para ela. Tentou se aproximar, seu instinto era abraçar Julianne, oferecer algum tipo de consolo ou reconciliação, mas quando levantou os braços, Julianne se esquivou com um movimento brusco.

— Eu... só preciso ficar sozinha agora — grunhiu Julianne, tentando manter a firmeza em sua voz, mas não escondendo o cansaço emocional. Sem dar chance para mais conversas, virou-se e foi para seu quarto, fechando a porta atrás de si.

Christiane ficou ali parada, os braços ainda erguidos, antes de soltar um suspiro longo e pesado. A exaustão da noite e das emoções intensas finalmente a alcançou. Sentindo o peso da situação, seguiu até o sofá e afundou-se nele, deixando o corpo relaxar pela primeira vez desde que saíram do estúdio. Seu olhar estava fixo em um ponto qualquer da sala, mas sua mente estava longe, perdida em um turbilhão de pensamentos e incertezas.

A sensação de impotência era quase insuportável. Tentara ser a voz da razão, a ponte entre Julianne e Meryl, mas agora tudo parecia desmoronar. Christiane fechou os olhos, desejando que aquele peso em seu peito fosse embora, mas tudo o que conseguia sentir era o eco da frustração e o medo de que o que tinham entre elas estivesse em um ponto de ruptura irreparável.

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