36 - Ao Amanhecer

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Christiane foi a primeira a despertar naquela manhã tranquila. Sentiu o calor das duas mulheres ao seu lado, o toque suave de Julianne, que dormia entre ela e Meryl, aninhada como uma criança que busca aconchego. Sorriu diante da cena, observando as feições relaxadas de Meryl e Julianne, que ainda estavam imersas em um sono profundo. Tomando cuidado para não acordá-las, Christiane levantou-se, calçando seus chinelos macios, e, após pegar um conjunto de camiseta e shorts de tons neutros, saiu do quarto.

Atravessou o corredor da lancha até a parte externa, onde a brisa do mar a envolveu, trazendo consigo o aroma salgado e revigorante das águas. Christiane respirou fundo, sentindo-se em casa, como se o mar fosse um velho companheiro a quem sempre podia retornar em busca de paz. Caminhou até a beira da embarcação e, acomodando-se em uma das cadeiras no deque, entregou-se à vista do horizonte, onde o céu claro se fundia com o azul do oceano.

Fechou os olhos por um instante, ouvindo o som das ondas batendo de leve contra o casco da lancha, o mesmo som que, tantas vezes, a acalmava e a trazia de volta a si mesma. Murmurou em voz baixa, quase sem perceber que falava:

- Meu velho amigo, quantas vezes me ouviu? Quantas histórias já contei para você?

Sua voz se misturava ao vento, em uma conversa que ela mantinha apenas com o mar. Havia algo quase ritualístico nesse hábito de se abrir ao oceano, deixando escapar seus pensamentos e sentimentos mais íntimos, como se esperasse que ele guardasse suas palavras nas profundezas.

- Você já me viu passar por tantas coisas... e agora, veja só... - murmurou, o sorriso se alargando no rosto. - Pela primeira vez em muito tempo, eu me sinto em paz.

Enquanto estava ali, perdida em seus pensamentos, não percebeu que Julianne havia despertado e a observava da porta da cabine. Com passos suaves e a expressão ainda meio sonolenta, Julianne se aproximou lentamente, sorrindo ao ouvir as palavras de Christiane. Quando se sentiu próxima o suficiente, envolveu a outra com os braços, apoiando o rosto no ombro dela, que se surpreendeu ao sentir o toque inesperado.

- Não sabia que você falava sozinha, Tor - sussurrou Julianne, a voz arrastada pelo sono, carregada de um tom suave e afetuoso.

Christiane sorriu, sem se virar, e passou a mão pelo braço de Julianne, aproveitando o calor daquele abraço tão familiar.

- E quem disse que eu estou falando sozinha, minha criança? - respondeu, em um tom baixo e carinhoso.

Julianne deu uma risada leve, encostando o rosto mais perto do pescoço de Christiane, num gesto quase infantil.

- Eu adoro quando você me chama assim, sabia? - disse Julianne, fechando os olhos por um momento, sentindo a tranquilidade daquele instante.

- Mas você é mesmo a minha criança mimada - respondeu Christiane, inclinando-se para trás e descansando a cabeça sobre o ombro dela. - Adoro esse seu lado de menina, essa voz manhosa quando acorda...

Julianne corou levemente, escondendo o rosto no ombro de Christiane para disfarçar a timidez que essas palavras provocavam.

- Por que você levantou? Estou vendo na sua cara que ainda está morrendo de sono - observou Christiane, deslizando os dedos pelos cabelos bagunçados de Julianne.

- E quem disse que eu acordei? - Julianne murmurou, sorrindo com ar de travessura. - Só levantei pra ir ao banheiro e te arrastar de volta pra cama. Tá frio e eu gosto do calor...do jeito que você e a Mer me aquecem. Vem.

Christiane riu e, finalmente, virou-se para ela, os olhos brilhando com um afeto suave.

- E quem consegue dizer não a você meu bem? - apertando suas bochechas, dando um selinho demorado.

Julianne segurou a mão dela, entrelaçando seus dedos e puxando-a para um abraço apertado.

- Tá vendo só? Talvez tenha um motivo pra eu ser mimada - provocou, com um sorriso brincalhão.

Elas se entreolharam e riram juntas, aproveitando a intimidade daquele momento, até que decidiram voltar para a cabine. Julianne a conduziu de volta ao quarto, onde Meryl começava a despertar, os olhos entreabertos e a expressão ainda sonolenta.

- Então resolveram voltar, hein? - disse Meryl, sorrindo preguiçosamente e se ajeitando entre os travesseiros. Com a voz abafada pelo sono, esticou-se para acariciar a mão de Julianne, que a observava com um olhar ternamente divertido.

- Bom dia, Mer- Julianne respondeu, deitando-se ao lado dela, ganhando um beijo carinhoso no pescoço, mas o suficiente para fazê-la se arrepiar.

Meryl abriu um dos olhos e lançou um sorriso travesso.

- Sabia que sonhei com vocês duas?

Christiane arqueou uma sobrancelha, divertida.

- É mesmo? E o que tinha nesse sonho, exatamente?

Meryl soltou uma risada baixa, fingindo mistério.

- Ah, nada demais... Só estava revivendo a noite de ontem - provocou, com uma piscadela.

Julianne cobriu o rosto, rindo e corando ao mesmo tempo, algo que tanto Meryl quando Torloni acharam graça, pois há horas atrás, não estava nem um pouco tímida.

- Ah, você não perde uma, Meryl!

- Perder? E por que eu perderia a chance de ver essa carinha linda, toda vermelhinha, mas que ontem soube exatamente como nos enlouquecer? - retrucou Meryl, com um brilho sapeca no olhar, enquanto acariciava a bochecha de Julianne, que sorria, ainda ligeiramente envergonhada.

Christiane segurou as mãos de ambas, entrelaçando os dedos com os delas, como se quisesse registrar para sempre a memória daquele instante.

- Vocês são impossíveis... - suspirou ela, com um sorriso afetuoso. - Sabe que eu poderia ficar aqui para sempre, né?

Meryl fechou os olhos por um instante e deu um suspiro contente, voltando a relaxar entre os travesseiros.

- Bom, ninguém disse que temos que ir a algum lugar agora...

As três ficaram ali, aninhadas entre os lençóis e travesseiros, trocando sorrisos e carinhos, enquanto o som suave das ondas batendo na lancha preenchia o quarto. Era um silêncio confortável, envolto pela cumplicidade de três corações que, de algum modo, haviam encontrado ali um espaço seguro e perfeito.

Aquele momento, com a luz da manhã banhando o quarto e o som do mar ao redor, parecia um sonho que Christiane não queria deixar ir embora. Por ora, não havia nada além daquela tranquilidade, da certeza de que estavam juntas, de que se pertenciam, compartilhando uma paz rara e profunda, como se o mundo lá fora pudesse esperar um pouco mais.

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