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•ANNE•

Eu mal conseguia respirar depois da conversa com Gabriel. Ao entrar em casa, joguei minha bolsa no sofá e me sentei, ainda sem entender direito o que tinha acabado de acontecer. Gabriel tem uma filha. Uma filha de dois anos. Fiquei repetindo isso na minha cabeça, como se, de alguma forma, dizer em voz alta fosse fazer mais sentido. Mas não fez.

Pela primeira vez em semanas, eu me sentia completamente perdida. Gabriel sempre me pareceu tão transparente, tão aberto sobre a vida dele. Como ele pôde esconder algo assim? Por que não me contou antes?

Eu precisava de uma válvula de escape. Peguei meu celular e mandei uma mensagem para Clara.

_"Clara, preciso te ver. Urgente."_

Ela respondeu quase que imediatamente.

_"Vem aqui pra casa. Tô te esperando."_

Eu sabia que Clara era o tipo de amiga que falaria exatamente o que eu precisava ouvir, mesmo que doesse. Sem pensar muito, peguei minhas coisas e saí, decidida a resolver essa confusão mental antes que ela me sufocasse. O vento frio de Madrid bateu no meu rosto assim que saí, mas eu mal sentia. Minha cabeça estava um caos, e eu só conseguia pensar em como minha vida tinha virado de cabeça para baixo em questão de minutos.

Caminhei rápido pelas ruas iluminadas até o apartamento de Clara. Quando cheguei, ela já estava na porta me esperando com uma expressão preocupada.

— O que aconteceu? — ela perguntou, antes mesmo de eu entrar.

Eu respirei fundo e entrei, jogando-me no sofá como se minhas pernas não pudessem mais me sustentar.

— Ele tem uma filha, Clara. Uma filha de dois anos. Como assim eu não sabia disso até agora?

Clara piscou algumas vezes, claramente processando a informação.

— Espera, o Gabriel? O *Gabriel Guevara* tem uma filha?

Eu assenti, passando as mãos pelo rosto, tentando afastar a confusão.

— Sim, e ele só me contou ontem, depois de semanas saindo, depois de já termos ficado e de eu estar, sei lá, começando a sentir alguma coisa por ele. Eu... não sei o que pensar.

Clara sentou-se ao meu lado, cruzando as pernas e me observando com aquele olhar analítico dela.

— E o que ele disse? Por que ele não te contou antes?

— Ele disse que não sabia como me dizer, que não queria me assustar ou me afastar. Que a situação com a mãe da filha dele é complicada e que ele tenta ser o melhor pai possível, mas... sei lá, Clara. Isso muda tudo, né?

Ela ficou em silêncio por alguns segundos, me estudando, o que me fez querer fugir daquela conversa por um momento.

— Você gosta dele, né? — ela perguntou, com a voz mais suave do que o normal.

Eu balancei a cabeça, sentindo uma mistura de raiva e tristeza ao admitir isso em voz alta.

— Gosto. Mas agora parece que tudo ficou mais complicado. Eu mal consigo lidar com a minha própria vida, com o estúdio, com meus próprios traumas. Como vou lidar com um cara que tem uma filha?

Clara suspirou e me puxou para um abraço.

— Olha, Anne, isso é realmente algo grande pra processar. Ninguém pode te julgar por estar confusa. Mas, ao mesmo tempo, se ele realmente vale a pena, talvez essa situação não seja tão impossível de lidar. A questão é: você está disposta a tentar? Mesmo sabendo que vai ser complicado?

A pergunta dela ficou ecoando na minha cabeça. Eu não sabia. Tudo o que eu queria era uma vida tranquila, algo que eu pudesse controlar. Mas a realidade parecia rir da minha cara cada vez que eu tentava colocar tudo em ordem.

— Eu não sei, Clara. Sinceramente, não sei. Eu gosto dele, e ele foi sincero... mesmo que tenha demorado. Mas e se eu não estiver preparada pra isso?

Clara sorriu, aquele sorriso leve que me dizia que, no fundo, ela já sabia o que eu estava pensando.

— Ninguém está preparado pra nada nessa vida, Anne. Você sabe disso. As melhores coisas geralmente vêm quando a gente está menos preparado. Você só precisa descobrir se quer correr esse risco. E, pelo que eu conheço de você, acho que já sabe a resposta.

Eu queria negar, dizer que não, que eu não sabia, que eu precisava de mais tempo. Mas Clara estava certa, como sempre. No fundo, eu sabia o que queria. Eu só tinha medo de admitir, medo de tudo dar errado de novo. E, principalmente, medo de me machucar.

— Preciso de um tempo. Vou dar um espaço pra mim mesma, pra ele também — respondi, mais para mim do que para Clara.

Ela assentiu, parecendo satisfeita com a minha resposta.

— Boa. E, enquanto isso, vamos dar uma pausa na cabeça. Que tal uma viagem de fim de semana? Nada muito longe, só um lugar pra gente se desligar um pouco do mundo.

A ideia de sair de Madrid, nem que fosse por poucos dias, me pareceu uma lufada de ar fresco. Eu não sabia quanto tempo mais eu conseguiria ficar presa nesse turbilhão de pensamentos.

— Isso seria ótimo. Pra onde você estava pensando? — perguntei, tentando não parecer desesperada pela fuga.

Clara sorriu, animada.

— Pensei em irmos para Toledo. É pertinho daqui, e a cidade é linda. Podemos passar um fim de semana lá, descansar, caminhar pelas ruas históricas, tomar uns bons vinhos. O que acha?

A ideia de ir para um lugar tranquilo, longe de tudo, me parece excitante, após uma revelação desta. Sem contar que realmente estou precisando, me foquei tanto no estúdio durante esses tempos que acabei esquecendo que também preciso respirar.

Arte na Pele - Gabriel GuevaraOnde histórias criam vida. Descubra agora