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•GABRIEL•

Sabe aquela sensação de que você estragou tudo, mesmo quando tentou fazer o certo? Era assim que eu me sentia desde que contei para Anne sobre a Lizzie. Já fazia alguns dias, e o silêncio dela estava me matando. Eu sabia que ela precisava de tempo para processar, mas, ao mesmo tempo, eu não conseguia evitar o medo de que esse silêncio significasse o fim de algo que nem ao menos teve a chance de começar direito.

Minha rotina com a Lizzie era a mesma de sempre, e por mais que eu tentasse focar em ser o melhor pai possível para ela, minha mente estava em outro lugar. Desde o dia em que a Lizzie nasceu, prometi a mim mesmo que minha prioridade seria minha filha. E, para ser honesto, nunca houve um relacionamento com a mãe dela. Foi apenas uma noite, e então ela me procurou meses depois, grávida. A responsabilidade me atingiu como um trem, mas desde o primeiro momento eu soube que faria tudo pela Lizzie, mesmo sem ter construído uma família da forma que imaginei.

E agora, eu me encontrava numa situação diferente com a Anne. Desde o momento em que entrei naquele estúdio, algo nela me desarmou completamente. Eu estava gostando dela de uma forma que não esperava, e isso me deixava ainda mais ansioso sobre como ela lidaria com toda essa complexidade da minha vida.

Mas agora, eu não tinha certeza de nada. Me perguntava se deveria ter contado sobre a Lizzie antes, logo de cara. Talvez tivesse sido um erro esperar tanto tempo. A verdade é que eu não queria assustá-la, não queria que ela achasse que eu estava tentando impor minha vida complicada sobre ela. Mas acho que foi exatamente isso que acabei fazendo.

Naquela noite, depois de colocar Lizzie para dormir, eu me joguei no sofá, exausto. O silêncio da casa me engolia, e eu sabia que precisava desabafar com alguém. Mandei uma mensagem para Javier, meu melhor amigo.

_"Ei, vamos sair? Preciso conversar."_

Javier respondeu rápido.

_"Claro, cara. Nos encontramos no bar de sempre?"_

— Isso. Te vejo lá em meia hora.

Tomei um banho rápido, vesti uma roupa qualquer, e saí de casa, tentando afastar a confusão da cabeça. Quando cheguei ao bar, Javier já estava sentado com uma cerveja na mão, como sempre. Sentei ao lado dele e pedi a minha.

— E aí, o que tá pegando? — ele perguntou, direto, como sempre.

Suspirei, passando a mão pelo cabelo, ainda molhado.

— Eu contei pra Anne sobre a Lizzie.

Javier ergueu uma sobrancelha, claramente surpreso.

— Finalmente. E aí, como ela reagiu?

— Não sei. Ela ficou meio chocada, acho que não esperava. Pediu um tempo pra pensar, e desde então, não falou mais nada. Tá me ignorando, cara. — Eu dei um gole grande na cerveja, tentando afogar a frustração.

— Você esperava o quê? Que ela fosse receber a notícia numa boa? — Javier deu de ombros. — É complicado, Gabriel. Não dá pra culpar a garota por estar confusa. Vocês mal começaram a sair e, de repente, ela descobre que você tem uma filha. Isso mexe com qualquer pessoa.

— Eu sei disso. E é exatamente por isso que não contei antes. Queria ter certeza de que a coisa entre a gente era séria, pra não assustá-la.

Javier balançou a cabeça, pensativo.

— E você acha que fez certo? Porque, honestamente, parece que você estava adiando o inevitável. Se ela fosse se assustar, era melhor que fosse logo no começo, não depois de já ter algum tipo de conexão com você.

Eu sabia que ele tinha razão, mas admitir isso em voz alta era outra história.

— Talvez eu tenha errado — respondi, finalmente. — Mas agora, não sei o que fazer. Ela saiu da cidade com a amiga, foi para Toledo ou sei lá, e não falou mais comigo. Tá difícil, cara.

Javier me olhou por um momento, antes de dar um gole na cerveja.

— Olha, a real é que você precisa esperar. Se a Anne realmente gosta de você, ela vai voltar. Só precisa de tempo pra entender o que isso tudo significa. E, honestamente, você também devia usar esse tempo pra pensar no que quer. Porque, se ela aceitar essa situação, você precisa estar preparado pra algo mais sério.

Aquela ideia ficou martelando na minha cabeça. Eu sabia que não estava pronto para um relacionamento qualquer. Com uma filha envolvida, tudo mudava. E com Anne, era diferente. Desde o primeiro momento, eu sabia que não queria só uma aventura.

— Eu sei o que quero. Gosto dela, muito mais do que estou pronto pra admitir. Só não sei se ela está disposta a entrar nessa comigo e com a Lizzie.

Javier deu um sorriso meio cansado.

— Aí você está no mesmo barco que qualquer um que começa a gostar de alguém. Nunca sabemos se a outra pessoa está disposta a entrar no mesmo ritmo que a gente. Só que, no seu caso, você tem a Lizzie. E isso é algo que você vai ter que aceitar, mesmo que não seja o que Anne quer.

Aquele pensamento me atingiu com força. Eu sabia que a Lizzie era a minha prioridade, e que qualquer decisão que eu tomasse tinha que levar isso em conta. Mas, ao mesmo tempo, a ideia de perder Anne antes mesmo de realmente ter algo com ela me deixava mal. Por mais que eu quisesse tentar manter as coisas simples, a vida parecia determinada a me mostrar que nada é tão fácil assim.

— Preciso de mais uma cerveja. — Levantei a mão para o garçom, e Javier riu.

— Você sempre precisa de mais uma cerveja quando a conversa fica séria. — Ele piscou, mas logo ficou sério de novo. — Vai dar certo, Gabriel. Só dá tempo pra ela, e pra você também. Se for pra ser, ela vai entender que você e a Lizzie vêm juntos no pacote.

Eu sabia que ele estava certo, mas o tempo parecia meu inimigo agora. Quanto mais o silêncio entre mim e Anne se prolongava, mais eu temia que, no final das contas, talvez eu tivesse perdido a chance antes mesmo de ela realmente começar.

O resto da noite passou num borrão de cervejas e risadas com Javier, mas a verdade é que, no fundo, eu sabia que a questão com Anne ainda estava lá, esperando para ser resolvida. Quando voltei pra casa, Lizzie já estava dormindo profundamente, e eu me sentei ao lado da cama dela, observando-a por alguns minutos. Tudo o que eu fazia, no final, era por ela.

Talvez fosse hora de parar de tentar controlar o que não podia ser controlado. Se Anne voltasse, seria porque estava disposta a encarar a realidade. E, se ela não voltasse... Bem, eu ia ter que aprender a aceitar isso também.

Mas, por enquanto, tudo o que eu podia fazer era esperar.

Arte na Pele - Gabriel GuevaraOnde histórias criam vida. Descubra agora