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•GABRIEL•
Eu estava sentado no banco do parque, debaixo da mesma árvore onde costumo vir para pensar. O sol já estava se pondo, e o céu pintado de tons alaranjados criava uma calma estranha, uma calmaria que eu não sentia há tempos. Desde a conversa com Anne, algo dentro de mim havia mudado. Eu finalmente tinha deixado as coisas claras, sem segredos, sem máscaras. Isso me assustava mais do que eu imaginava.

Nunca fui o tipo de cara que expõe tudo de uma vez. Nem com amigos próximos, nem com ninguém. Sempre fui bom em manter uma certa distância das coisas mais sérias. E talvez fosse isso que me fazia ser tão bom no trabalho – aquele jeito despreocupado, de quem está sempre no controle. Mas, com Anne, tudo isso desmoronou. Ela exigia honestidade, e pela primeira vez em muito tempo, senti que precisava ser completamente transparente.

Peguei meu celular do bolso e fiquei olhando para a última mensagem que ela havia me enviado.

_"Se cuida. Nos vemos em breve."_

Não era uma mensagem longa, nem cheia de emoção, mas, de alguma forma, eu sabia o que ela queria dizer. Havíamos cruzado uma linha juntos, e agora era diferente. Eu sentia como se não houvesse mais volta. E o mais assustador? Eu não queria voltar.

Eu já estava tão acostumado com a ideia de Anne na minha vida que a simples possibilidade de ela não estar mais ali me dava um nó no estômago. Ela era diferente de qualquer outra pessoa que já conheci. A forma como ela olhava para mim, como se conseguisse enxergar além do "galã" que todo mundo sempre via. Ela via o Gabriel de verdade, com todos os seus defeitos e bagagens, e mesmo assim estava disposta a ficar.

Só que agora, tudo estava ligado à minha filha. Nunca foi minha intenção esconder isso de Anne. Quando começamos, não era nada tão sério. Mas quanto mais eu me envolvia com ela, mais difícil se tornava contar. Eu não queria assustá-la, não queria perder o que estávamos construindo. Só que, ironicamente, foi exatamente isso que quase aconteceu quando a verdade finalmente veio à tona.

Levantei-me do banco e comecei a andar, pensando no que ela disse naquela noite no estúdio. Anne me deu uma chance. Uma chance de mostrar que eu poderia ser honesto, que não haveria mais segredos. Eu sabia que não podia estragar isso.

Minutos depois, entrei no carro e dirigi em direção ao estúdio dela. Eu sabia que Anne já tinha fechado, mas sentia que precisava vê-la, mesmo que só por alguns minutos. Havia algo em sua presença que me fazia sentir... completo. E agora, mais do que nunca, eu precisava disso.

***

Quando cheguei, o estúdio estava escuro. Mas, do lado de fora, vi a luz de um abajur acesa na sala dos fundos. Anne estava lá, provavelmente terminando algum trabalho, concentrada como sempre. Estacionei e caminhei até a porta. Respirei fundo antes de bater de leve no vidro, o som ecoando na rua silenciosa.

Ela levantou a cabeça, surpresa ao me ver ali tão tarde. Depois de um segundo de hesitação, ela sorriu e fez um sinal para eu entrar.

"Tá tarde pra visitas, não acha?" ela brincou, enquanto eu cruzava a porta.

"É, eu sei... Mas não consegui esperar", respondi, parando em frente ao balcão.

Ela inclinou a cabeça, analisando minha expressão. Anne tinha esse jeito de me ler sem que eu precisasse dizer muito. Era desconcertante, mas também reconfortante.

"Algo te incomodando?", ela perguntou, voltando a organizar algumas tintas que estavam espalhadas pela mesa.

"Não exatamente", falei, sentindo a leve tensão no ar. "Só queria te ver."

Ela parou o que estava fazendo por um momento e olhou para mim, como se estivesse tentando entender o que realmente se passava na minha cabeça. Eu sabia que a conversa que tivemos recentemente ainda pesava entre nós, mas agora, com tudo à tona, sentia que era o momento de selar algo mais.

"Eu fiquei pensando no que você disse, Anne", comecei, passando a mão pelos cabelos. "Sobre a honestidade. Sobre a gente... e sobre minha filha."

Ela não desviou o olhar. Esperava que ela ficasse tensa, mas ela só me observava, silenciosa. Fui em frente.

"Eu não queria esconder isso de você, não por mal. Acho que eu estava com medo. Medo de que, se eu colocasse tudo sobre a mesa, você fosse embora. Que não quisesse lidar com a bagagem que eu carrego."

Anne deu um pequeno sorriso, aquele sorriso compreensivo que me desarmava toda vez. "Eu disse que estava com você, não disse?"

Assenti, ainda nervoso. "Sim, disse. Mas eu só queria ter certeza de que você entende o que isso significa. Minha filha... ela é a minha prioridade. Sempre será. E, se continuarmos, isso faz parte do pacote."

Ela se aproximou de mim, parando do outro lado do balcão. "Eu entendo, Gabriel. E estou aqui. Sei que as coisas não vão ser simples, mas estou disposta a tentar. Desde que, daqui pra frente, a gente seja honesto. Um com o outro."

Naquele momento, algo dentro de mim finalmente se acalmou. Era isso que eu precisava ouvir. Não promessas vazias, mas um compromisso de verdade. Sabíamos que haveria desafios, mas pela primeira vez, eu estava disposto a encará-los com ela.

"Sem mais segredos", prometi, estendendo minha mão sobre o balcão.

Ela sorriu, pegando minha mão com a dela, entrelaçando nossos dedos. "Sem mais segredos."

Ficamos ali por um tempo, em silêncio, mas um silêncio confortável. Algo havia mudado entre nós. Não era só sobre os sentimentos que tínhamos, mas sobre a decisão de continuar, apesar de tudo. E pela primeira vez em muito tempo, eu sentia que estava no caminho certo.

Arte na Pele - Gabriel GuevaraOnde histórias criam vida. Descubra agora