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•ANNE•

A viagem para Toledo parecia o que eu mais precisava. Clara, como sempre, tinha razão. Um fim de semana longe de Madrid, de tudo o que me lembrava Gabriel, das responsabilidades do estúdio, parecia a cura temporária para o caos na minha mente. Peguei minha mochila com o mínimo necessário e partimos. Assim que entramos no carro, Clara ligou uma playlist de músicas relaxantes, e eu me permiti, pela primeira vez em dias, simplesmente respirar.

A estrada para Toledo era linda, com paisagens que pareciam saídas de um filme. O sol brilhava suavemente sobre as colinas, e quanto mais nos afastávamos da cidade, mais eu sentia o peso saindo dos meus ombros. Mas, claro, isso não significava que a confusão sobre Gabriel e Lizzie havia desaparecido. Aquela revelação ainda estava lá, pairando sobre mim como uma sombra. Mas talvez, só talvez, Toledo me ajudasse a ver as coisas com mais clareza.

— Tá na hora de relaxar, Anne. — Clara me deu uma cotovelada leve, tirando-me dos pensamentos. — Esse fim de semana é pra gente, lembra?

Sorri, um pouco envergonhada.

— Eu sei, eu sei. Prometo que vou tentar desligar.

Clara sorriu satisfeita e continuou dirigindo. Aos poucos, as conversas com ela foram me distraindo, e quando finalmente chegamos a Toledo, eu me sentia... bem. A cidade era ainda mais linda do que eu me lembrava das últimas vezes em que havia estado lá. As ruas de pedra, os prédios antigos, a sensação de estar em um lugar cheio de história. Eu sempre adorei isso.

— Vamos direto para o hotel? — Clara perguntou, esticando-se no banco do motorista. — Ou quer dar uma volta antes?

Olhei ao redor, absorvendo a atmosfera calma do lugar.

— Vamos dar uma volta. Precisamos explorar esse lugar antes de nos jogarmos no hotel.

Clara riu, desligando o carro, e nós saímos caminhando pelas ruas estreitas de Toledo. O clima estava perfeito, com uma brisa leve e um céu azul que parecia pintado à mão. Aos poucos, fui me desligando dos pensamentos sobre Gabriel e me deixando levar pela tranquilidade do lugar. Passamos por cafés charmosos, lojinhas de artesanato, e logo encontramos um pequeno parque, com bancos de madeira e uma vista incrível para o rio Tejo. Sentamos ali, aproveitando o momento.

— Então — Clara começou, esticando as pernas e me olhando de lado. — Como está se sentindo agora?

Respirei fundo, sentindo a brisa suave no rosto.

— Estranhamente... bem. Quer dizer, ainda estou confusa, ainda estou processando tudo, mas... estar aqui ajuda, sabe? Como se, por um momento, as coisas fossem mais simples.

Clara assentiu, parecendo satisfeita com minha resposta.

— Eu sabia que um tempo fora ia te fazer bem. Mas... vamos ser realistas, Anne. Eventualmente, você vai ter que voltar. E vai ter que lidar com Gabriel e essa situação. Você acha que está preparada pra isso?

Eu sabia que essa pergunta viria. Eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, precisaria enfrentar meus sentimentos de frente. Clara não era do tipo que deixava as coisas passarem sem mais nem menos, e por isso, eu a amava. Ela sempre me empurrava a encarar a realidade, mesmo quando eu preferia ignorá-la.

— Ainda não sei, pra ser honesta — respondi, olhando para o rio à nossa frente. — Eu gosto dele, Clara, muito. E isso me assusta. Depois de tudo o que passei no Brasil, eu jurei que não ia me deixar sentir isso de novo. E agora, aqui estou eu, apaixonada por um cara que tem uma filha de dois anos. Uma filha que ele só me contou recentemente. Eu me sinto... sobrecarregada.

Clara ficou em silêncio por um momento, ponderando o que eu disse.

— Olha, eu entendo o medo. Mas você precisa pensar se isso é realmente o que te impede de seguir em frente ou se é mais sobre as feridas que o seu ex deixou. Eu não quero soar dura, mas... Gabriel não é ele. E, pelo que você me contou, parece que ele está tentando fazer as coisas direito.

Eu sabia que Clara estava certa. A verdade é que eu estava projetando meus traumas antigos em Gabriel, como se ele fosse a repetição de algo que eu já havia vivido. Mas ele não era. Ele havia sido honesto, mesmo que tarde, e eu sabia que, de certa forma, isso contava muito. O que eu não sabia era se eu estava pronta para lidar com a complexidade que vinha com isso.

— Eu preciso de mais tempo. Talvez esse fim de semana me ajude a pensar com mais clareza. — Eu sorri, tentando aliviar o clima.

Clara deu de ombros, aceitando minha resposta.

— Sem pressa. Mas agora, vamos focar no momento, certo? Vamos aproveitar Toledo como se nada disso existisse.

Rimos e decidimos seguir para um café charmoso que ficava numa praça ali perto. Enquanto caminhávamos, comecei a me sentir mais leve. Talvez Clara estivesse certa, talvez eu estivesse complicando mais do que deveria. Mas também, talvez eu precisasse de um pouco mais de tempo para encontrar meu caminho.

Sentadas na pequena mesa do lado de fora do café, com o sol já começando a se pôr, me permiti relaxar de verdade. Pedimos vinho e tapas, e a conversa fluiu naturalmente, sem pressão. Pela primeira vez em dias, eu me sentia realmente desconectada da bagunça que era minha vida em Madrid. Toledo parecia o lugar perfeito para respirar.

À medida que a noite avançava, comecei a pensar que talvez, só talvez, as coisas pudessem se resolver sozinhas, se eu desse o tempo necessário. Eu não precisava de todas as respostas agora, e Gabriel e Lizzie podiam esperar até que eu estivesse pronta.

Por enquanto, tudo o que eu precisava era desse momento de paz, ao lado da minha melhor amiga, num lugar que me fazia sentir livre.

Arte na Pele - Gabriel GuevaraOnde histórias criam vida. Descubra agora