Descoberta

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Capítulo 17: Descoberta

Will sempre fora brilhante. Não havia como negar seu intelecto afiado e a habilidade inata para conectar pontos que escapavam à maioria. Seu sucesso acadêmico e o respeito de seus colegas de trabalho comprovavam isso. Como professor, era dedicado; como profiler, extraordinário. Sua mente parecia destinada a resolver os mistérios mais sombrios da natureza humana. No entanto, desde a epifania sobre o Estripador de Chesapeake — a descoberta que o assassino matava aqueles que considerava rudes —, algo havia mudado dentro de Will. Ele não conseguia se afastar. A investigação, que antes era seu trabalho, transformara-se em uma obsessão silenciosa, um hobbie macabro. Rever os casos, catalogar as evidências, vasculhar os detalhes mais obscuros das mortes. Mas quanto mais ele mergulhava nesse abismo, mais suas conclusões o assustavam.

Ele sabia, com uma clareza esmagadora, que o Estripador era um homem culto. As referências a obras de arte, a linguagem das flores, a história e a mitologia estavam todas ali, cuidadosamente inseridas em cada assassinato. Não era apenas violência; era uma expressão artística, uma linguagem mortífera que apenas um indivíduo específico podia falar. O assassino, segundo seu perfil, tinha entre 40 e 50 anos, possuía vastos recursos financeiros e colecionava troféus grotescos das vítimas.

E todas essas pistas, uma a uma, levaram Will a uma conclusão devastadora. Hannibal. O nome ecoava em sua mente como um sussurro que ele tentava, em vão, ignorar. Hannibal Lecter, o homem que ele considerava um amigo, seu psiquiatra. A cada novo olhar nas evidências, a cada reflexão sobre a natureza dos crimes, a figura de Hannibal se destacava ainda mais, como uma sombra impossível de apagar.

Mas o que mais perturbava Will não era o horror dessa descoberta — não exatamente. Não era o choque de perceber que o homem com quem jantara tantas vezes, que ouvira suas confidências, que o entendera de formas que mais ninguém conseguia, poderia ser um assassino em série. O verdadeiro terror estava na sensação contrária: ele não se horrorizava.

Em vez disso, havia algo profundamente inquietante no modo como ele começava a ver o trabalho do Estripador. Algo que ele não queria admitir, mas que se tornava cada vez mais evidente. Will se via fascinado. Encantado, até. O gênio por trás dos assassinatos, a frieza metódica, a habilidade de transformar morte em arte — aquilo o prendia, o seduzia de um modo que ele não queria aceitar.

E então, veio a conclusão mais macabra de todas: o Estripador não apenas matava, ele consumia os troféus. Will sabia o que isso significava. Cada refeição que compartilhou com Hannibal, cada prato requintado, cada pedaço perfeitamente preparado... poderia conter os restos das vítimas. Os jantares elegantes, as conversas profundas à mesa, tudo poderia ser uma fachada para um ritual canibalístico.

Essa percepção não o fez recuar. Ao contrário, deixou-o ainda mais envolvido. Will entendia, e esse entendimento o devorava por dentro. Hannibal não era apenas um monstro, ele era um artista. E de alguma forma, em algum nível, Will se sentia atraído por essa escuridão. Ele sabia que estava cruzando uma linha perigosa, mas talvez fosse tarde demais para voltar.

— Hannibal, posso falar com você? — Will entrou na biblioteca com passos silenciosos, sua voz baixa, quase hesitante. Hannibal estava sentado à mesa, concentrado em seus desenhos, os dedos manchados de grafite enquanto esboçava formas complexas com uma precisão inquietante.

Sem desviar os olhos de seu trabalho, Hannibal sorriu levemente, deixando os lápis de lado com a elegância calculada de sempre.

— Estamos com problemas, meu amor? Ou é Eloise? — Sua voz era suave, mas carregava uma preocupação sutil, como se tentasse decifrar Will antes mesmo de receber a resposta.

— Eloise está dormindo... — Will respondeu, sua voz agora mais firme, embora um brilho de incerteza ainda pairasse em suas palavras. — Não é exatamente um problema... é mais uma curiosidade. Preciso descobrir algo.

A taste for familyOnde histórias criam vida. Descubra agora