Nova Z - O mundo isolado.

PARTE 29- União

      A primeira vez que um raio atingiu Zerith fora oito anos atrás e disso Arfey se lembrava muito bem. Foi durante as passeatas que condecoravam Gerald Guest como ministro, entrando por ruas diagonais e subindo alamedas com casas enfileiradas dos dois lados da rua Oxfield, onde havia um santuário com faixas de orações em toda a fachada feitas por devotos e crianças que eram forçadas pelos pais a entregarem as economias do semestre à igreja num ato de "Deus cultivar sementes". Era como uma ação que demonstrava um tipo de "negociação de alma" para com Deus. A criança entregava dinheiro para a igreja e escrevia no santuário e em troca Deus dava a ela e à família uma vida prazerosa e digna, servida ao Senhor.
     Porém o elo (pelo menos parte dele) foi quebrado quando Rick Onewtt, de quatorze anos e membro de uma família centenária de Zerith, mudou de rota. Os Onewtt tinham uma vasta disposição familiar formada por quase vinte e dois membros. Rick era o mais novo. O garoto cumpria o ritual do santuário desde os sete, quando sua mãe o obrigou a doar as economias do verão que ele juntava para comprar o FanRadical 2.000. O skate era o sonho de consumo da maioria das crianças e em Zerith, a dedo, poderia se contar treze crianças que o tinham. Então Rick chorou durante três dias, todas as noites, por ter doado as economias para o santuário.
"Ou você entrega ou Deus vai jogar o males sobre nossa família." Dizia a mãe. "O Senhor tem que ter conforto para nos dar conforto, filho."
      E Rick acabou entregando. Nunca ganhara o tal skate. O garoto morreu quatro anos depois enquanto dirigia perto da autoestrada 13 de Zerith. A chuva vinha caindo desde a madrugada e as poças se formavam pelos canteiros e ladeamentos, tomavam estradas e sussurravam perigo no asfalto. O raio caíra ao lado do carro de Rick enquanto o rapaz tinha parado para analisar o pneu furado. O corpo do garoto ficou em parte tostado, em parte desfigurado. A mãe dele teve um acesso de fúria e nos meses seguintes entrou em estágio patológico. Foi levada um ano depois pelo marido à New Candense, ao norte de Freebell's. A mulher nunca deixou de acreditar em Deus. Apenas nunca mais colaborou com o santuário ou a igreja do Sétimo Dia.

     
                             ***
- Preciso que encontrem Inseto. Preciso de referências. - disse Arfey, vestindo a jaqueta e as botas pesadas.
- O seu companheiro foi no grupo A1, para o Alasca. - disse Ebay, cruzando os braços nem um pouco malhados. - Perderia mais tempo tendo que atravessar o continente para buscá-lo.
- Mas eu vou. - relutou Arfey, com insistência na voz e em cada piscadela que dava. - Eu preciso dele. Sem ele não tem como chegar ao fim do experimento.
     Ebay o olhou de forma esquisita, psicótica, quase como se quisesse enforcá-lo.
- Eu vou com você. - disse ela, começando a tomar para si um fardamento no armário aberto.
- Não. - negou Arfey. - Não basta ter me importunado naquela base submarina? Não serei obrigado a voar com alguém como você falando sobre o que eu errei e me pondo abaixo.
- Então acha que eu o desestabilizo? - perguntou ela de forma irônica. - Sr. Rogan, provavelmente o senhor não lembre depois que afundou no oceano, mas quem desestabiliza aqui é você. E sim, você errou! Terá que viver com esse fardo durante toda a vida. E por conclusão você não sabe a localização exata do grupo. Eu que tenho as coordenadas. Poupará tempo, se realmente quiser a minha ajuda.
       Arfey não falou nada. Ficou encarando a mulher e calçou a segunda bota, passando pelo corredor estreito do abrigo.
      Quando chegou a hora de sobrevoar a nave já estava pronta. Parecia que estava escondida (camuflada) em algum lugar entre as árvores. As ondas quebravam no espaço silencioso e ninguém estava lá em cima, exceto Arfey, Joanna, dois soldados que ele a ouvira chamar de Fred e Johnson, Ebay e...
- O que ele está fazendo aqui? - perguntou Arfey, encarando o homem com brutalidade.
- Eu vou acompanhar Ebay, cientista. Não vou deixá-la ao lado de um psicopata como você, entendeu? - Tony estava logo atrás da mulher, pronto para partir também.
     No final todos partiram. Arfey, Ebay, Tony, Fred, Johnson e o piloto da nave. A nave possuía duas grandes turbinas acopladas abaixo das asas e hélices verticais na cauda, era achatada como uma arraia e bicuda como um pássaro cantante do sul.