Ele tinha visto em um livro chamado "Arkives" um termo chamado Bola de Medula. Porém Arfey nunca descobriu ao certo do que se tratava. Alguns fundamentos se categorizavam que Paul Cornerot Blink tinha pesquisado por quarenta anos uma maneira de progredir com os estudos sobre doenças mentais a partir da raspa interina da medula.
E Arfey estava com o tal livro em mãos agora. Pensando o que diabos seria "Arkives". Só nas primeiras duas folhas que se deu conta durante uma rápida olhada que o título do livro era em razão e homenagem ao grande cientista holandês Meroc Tresk Arkives. Ele tinha recém descoberto a cura para a Blasoma, uma doença até então degenerativa que atingia boa parte do cérebro.
Arfey então caminhou pela calçada dos prédios do Boornevall, com gatos pulando das lixeiras logo ao lado. Apertava o livro nas mãos. Há exatamente meia hora tinha saído da Scorbell, a livraria de Zerith que se localizava entre duas grandes avenidas com frente para o hotel Mistbar Square.
O trio de jovens vinha pela vila Enson Goop, o que o pai de Arfey chamava de "O galinheiro dos pretos". Era um vilarejo localizado à leste de Zerith com dezenas de casas tão juntas que parecia um aglomerado de habitações de brinquedo. Era como Arfey Rogan imaginava.
- Olha só! Um pardalzinho da Nobre Zerith aqui na zona de negrinhos? - disse um deles, o que segurava nas mãos uma réplica de taco de beisebol para criança, com metade do tamanho de um taco original. Estava com lascas e desenhos desgastados com caveiras e carros horríveis feitos à mão. - Vem cá, arrumadinho, você nos vê invadindo a nobreza? Algum de nós jogar um beisebol em quadra de pérola? - então ele girou o taco na mão duas vezes.
Arfey tentou passar entre eles e ir embora, mas o garoto negro com taco de beisebol encostou no peito dele com a ponta do taco.
- Ei, ei... aonde vai? Somos seus mais novos amigos agora, pardalzinho! - disse ele. O garoto era quinze centímetros mais alto que Arfey e tinha o dobro da massa muscular que o menino tinha.
- Eu... eu preciso... ir embora. Meu pai... - começou explicar Arfey, dando travadas de medo.
- O papai? - agora o que falava era o da esquerda mais atrás. Ele tinha o nariz bem largo e os olhos preto-foscos. - O papai pediu que você retornasse com o livro de receitas, foi isso?
O garoto apontou para o livro Arkives que Arfey carregava. Os outros dois caíram na gargalhada. Após se controlarem o primeiro encarou o menino:
- Me dá isso! - ele puxou o livro de ciências da mão de Arfey com brutalidade. - Deixa eu ver... deixa eu...
De repente eles estavam todos rindo olhando para as páginas dos livros.
- Você é um "nerdinho" filho da mãe! Que tal chegar em casa com um pouco mais de sujeira nessa roupa engomadinha? - o garoto negro apontou para a blusa branca de Arfey com botões em cinza. - O que acham pessoal?
Os outros concordaram e tomaram Arfey nos braços. Arfey tinha dez anos e aqueles garotos tinham provavelmente dezesseis. Com certeza teriam mais força que o pobre garoto.
Levaram-no por um beco subindo a rua atrás das casas. Chegaram à uma lata de lixo com espaço o suficiente para caber todos eles ali, mas jogaram Arfey dentro com tanta brutalidade que o garoto bateu com a cabeça na garrafa de vidro no fundo e desmaiou. Ele lembra de ouvir o som demoníaco das risadas dos garotos se afastarem logo após o rasgar das páginas do Arkive. Então antes de perder os sentidos Arfey sentiu um pedaço do caco do vidro entrar em sua nuca e o sangue quente escorrer pelas costas.
Quando acordou dois dias depois no hospital após uma pequena cirurgia, Arfey só tinha um pensamento na cabeça: "Eu odeio essa gente!"
***
E assim seguiu-se por longos anos. A raiva. A incompreensão. A intolerância. Fizeram parte do turbilhão na sua vida. Até que... até que ele fizesse aquilo. Dedicasse parte de sua vida para erradicar uma raça que ele considerava desde sempre ameaçadora. "Brancos nunca me fizeram mal! Negros! Eles sim! Quase me mataram! Cinco vezes! Cinco merda de vezes!"
Mas agora tinha relaxado um pouco dos pensamentos do passado. Estava de frente a uma mesa com vasilhas e beckeres. Testando uma solução aqui, outra ali, com detalhes.
- E então? - na sala entrou Ebay acompanhada de Dante. - como vão os testes?
- Progredindo. - respondeu Arfey Rogan, riscando um simples cálculo na folha ao lado. - Preciso de mais bálsamo.
- Acho que não será muito pedir que você providencie imediatamente, não é Dante? - disse Ebay, sorrindo para o colega ao lado.
- Claro que não. Estou à disposição para que o sr. Rogan disponibilize seus conhecimentos para nos salvar. Com licença. - então ele se virou e saiu.
Ebay se aproximou de Arfey e olhou atentamente para os cálculos.
- Por que ainda estou aqui? - perguntou Arfey. - Por que não fui com Inseto? Ou com Ralf ou Rodrick?
- Temos conhecimento de que você tentou escapar antes que fosse pego pela guarda de buscas e salvamento. Nenhum dos dois deve se importar para o que você quer agora, sr. Rogan. - disse Ebay, num tom que sugeria ironia e desdenha. - Ao contrário do seu colega de estudos, o que atende ao nome de Inseto. Ele seguiu na primeira remersa porque achei melhor que se adaptasse à convivência com um dos ex-exterminadores que o senhor criou.
- Então por que não me enviou junto com o segundo exterminador? - perguntou Arfey, riscando outro cálculo na folha.
- Porque o que você precisa, sr. Rogan, não é de adaptações ou convivência. Seus estudos e capacidade intelectual para a ciência ultrapassam limites que qualquer um, mesmo alguém com instintos avançados, se impressionaria. Precisamos de você aqui na base submarina. Cremos que você terá a resposta para o seu erro. O seu erro, sr. Rogan! - ela enfatizou. - É bom que saiba que conseguiu. Você é um deus da destruição! O cientista que para sempre será lembrado como o grande símbolo da guerra biológica do século.
Arfey tinha parado um minuto e tentou digerir cada palavra da mulher. Ebay tinha jogo de palavras e isso talvez seria um mero detalhe quanto à sua personalidade persuasiva.
- Continue trabalhando, sr. Rogan. - disse ela. - Não temos muito tempo. Você destruiu esse planeta. É hora de reconstruí-lo.
A mulher saiu com calma da sala. "Toc, toc, toc..." faziam os sapatos.
Arfey continuou olhando para as mãos trêmulas. Então levantou-se e gritou tão alto que a veia saltada do pescoço pareceu por um segundo querer estourar.
Olhou para a pequena janela circular na cabine. Encostou a testa e viu somente água por todos os lados, até que uma serpente com rosto de peixe apareceu a um metro dele. Parecia dançar no fundo do oceano.
- Não sei se é exatamente o que ele pensou que seria, mas... acho que deve estar orgulhoso com essas criaturas que ele criou. - sussurrou Arfey, encarando o peixe-cobra. - Acho que o planeta não mudará mais. Não conseguirei consertar meus erros mesmo com pressão. É o fim. Pagarei com a vida o meu grande erro. Serei julgado não por humanos, mas pela morte, com todos os detalhes que serão necessários.
Junto aos pensamentos veio a ideia. Ele ainda tinha restos de uma fórmula para atrair animais que Inseto o tinha dado. Ele passou um pouco dela na janela, nas bases e entradas. O peixe-cobra sentiu o cheiro, mas algo muito maior veio primeiro. Um grande polvo com olhos esbugalhados e chifres enormes e dentes afiados socou a janela uma vez com um dos tentáculos e água invadiu a cabine.
Arfey logo foi coberto de água, que entrava rapidamente pelo buraco que ficara da janela. Ele viu a folha de fórmulas, vasilhas, substâncias... tudo afundar com ele. Um alarme soou no corredor do submarino. O polvo quebrou ainda mais a janela, deixando ainda mais água entrar. Nem todos morreriam. Arfey tinha pensado nisso. Nessa possibilidade. Depois que viu várias esferas de plástico resistente a dez pessoas cada numa saleta. Seria o suficiente para salvar todas as pessoas ali, mas ele não estava disposto. Estava sem esperança alguma.
Sentiu a mesma sensação quando foi jogado na lixeira por aqueles garotos. Foi apagando, apagando... até que a água o consumiu. Durante tudo isso ele achou que o sacrifício seria a forma de pagar boa parte do que fizera.
***
Sentiu calma. Sentiu um cheiro bom. E apesar de tudo ele sentia também os músculos. Cada um deles. Cuspiu a água fora e abriu os olhos. Enxergou o céu limpo e a areia abaixo do seu corpo.
- Ei... ei... ei... - um som. Ele escutava ao longe. - Ei... ei... EI!
Então ele se concentrou e viu que não seria tão longe. Alguém estava do seu lado.
- Ei, vamos! Os sombras estão vindo! Os sombras estão vindo!
Arfey estava tonto. A voz. Era uma mulher. Tentava levantá-lo. E enfim conseguiu.
- Vamos, entre... - ela abriu uma porta de metal que rangeu. Era no solo. - Rápido!
Arfey tentou entender se aquilo era a morte. Se estava sonhando enquanto morto. Mas não. Não estava sonhando. E não. Não estava morto.
Ele olhou ao seu redor para decifrar onde estava. Era muito parecido com um... Sim! Era um abrigo antibombas. Reforçado e espaçoso.
- Eu... não morri? - perguntou ele à mulher com roupas encharcadadas como a dele.
- O meu povo salvou alguns de vocês! Foram fáceis de encontrar, vieram em boias-esferas até encontrarem a costa. Você foi um dos últimos. Estava no fundo do oceano quando um dos mergulhadores o achou.
Ele lembrou do que ela tinha falado antes:
- Você disse "os sombras"...?
- Não queira saber quem são. - avisou ela. - São as piores coisas que já vi. Enfrentei um deles e quase morri. Eles vêm quando o sol some no horizonte. Não queira sair escondido durante a noite. Não vai gostar de ver um sombra na sua frente! Se isso acontecer vai preferir ter morrido no mar.
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Nova Z - O mundo isolado.
CasualeZerith era uma cidade que acordava com o sol subindo maravilhosamente no horizonte. Agora só é Nova Z. Em 2082 Arfey Rogan desenvolveu um vírus para acabar com a raça negra. Mas o cientista não obteve êxito. O vírus atingiu pessoas brancas, as mais...