PARTE 32- A música de guerra

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Agora sim morria humanos. Os sombras se arrastavam pelas estradas e torturavam seus pobres corpos e inundavam suas mentes de dor. Espadas vaporosas atravessavam seus corações e soldados tentavam atirar contra as criaturas, sem sucesso.
- Governador Trent... - murmurou Ralf, de frente ao homem. - Não devíamos estar um contra o outro. Sei que você queria salvar essa cidade e não destruí-la.
- Não tenho mais meu corpo humano homicida. - bradou o líder dos sombras em cima do pássaro que chilreava. - Você tirou a minha vida, a vida da minha mulher e minha filha. Sangue se paga com sangue. Morte se paga com a morte.
Trent avançou com o pássaro em direção à Ralf. A ave deu bicadas no asfalto, batendo asas a três metros do solo.
- Você não é assim, Trent, sei disso! - gritou Ralf. - Não somos os vilões aqui! Não somos!
- Tem razão, homicida! Não somos o vilão! Eu não sou o vilão! Você que é! Você matou a minha família! Matou esse lugar e acabará como eles! - falou Trent, o pássaro negro gigante bicando e fincando ainda mais o bico no chão ao lado dos pés nervosos de Ralf.
- Não era eu! Eu estava sendo controlado! Não havia razões sólidas para que eu cometesse esse tipo de crime contra sua família! - gritou Ralf, em meio ao barulho de humanos gemendo com sombras os atravessando como peneira, lâminas de vapor cortando peles com afinco de uma lâmina comum.
- Que se dane sua explicação, homicida! - extravasou Trent, cerrando os dentes negros. - Que se dane o que você pensa ou o que você diz! Você morrerá! Como um covarde!
O pássaro bicou a um metro do joelho de Ralf quando ele se esquivou. Porém num movimento rápido o bico da ave se abriu e o tirou do chão. Ralf sentiu a cartilagem prensá-lo na barriga e nas costas. O pássaro agora voava com ele no bico. Como uma minhoca.
- Você vai adorar essa viagem, homicida! - gritou Trent enquanto o pássaro voava a centenas de metros do solo.
- Solte-me, Trent! - ordenou, sem sucesso, Ralf. - Não inicie uma guerra com quem está do seu lado! Não comece algo que não possa terminar bem!
- Terminar bem? Quem falou que algo terminaria bem, homicida? Todo esse lugar tem que afundar em sombras! E o mundo dançará sobre a escuridão! Eu o governarei como fiz com Zerith antes que você me matasse! Governarei com a força das sombras ao meu comando! E ninguém irá me impedir de realizar esse feito!
O pássaro subia mais e mais. Antes que a ave atravessasse mais uma nuvem uma rajada de vento gelado veio pelo leste em rodopios vertiginosos.
Tiros rasgaram o ar e atingiram o pássaro. Ao contrário dos sombras o animal tinha pele e podia ser machucado. As balas atravessaram suas asas e peito. A ave sacudiu no ar entre as nuvens e tentou se estabilizar. Trent escorregou pelas penas do animal e segurou-se a única que encontrou grande o suficiente para deixá-lo pendurado. Ralf caiu quando o pássaro alargou o bico com a dor dos disparos. Caiu e caiu.
O som da morte veio aos seus ouvidos num estalar de dedos.

***
Os tiros vinham da nave do abrigo.
- ATIREM CONTRA A CRIATURA! FOGO! FOGO! - gritava uma mulher de cabelos rosa no interior na nave.
Três soldados disparavam contra a ave gigante, que se debatia no ar.
- PREPAREM-SE! - a nave decolou, subiu e subiu ainda mais, fazendo uma manobra no ar e dando o retorno pelas nuvens densas. - APONTAR! FOGO!
Trent tentou escalar as penas do pássaro novamente, mas o animal se sacudia lá encima como um rato na água. Os tiros estavam fazendo-o piorar ainda mais o senso de voo.
A nave subiu e subiu novamente, ultrapassando as faixas de luz que sumiam no céu e regressou de volta ao ponto estratégico.
- NOVAMENTE! APONTEM! ATIREM! - a mulher dava ordens expressas, enquanto outra se apertava a um canto da nave com o pé sangrando.
- Ei! Eu consigo! Posso ajudar em algo? - perguntou Laure Benson para a mulher.
- Ali! Se você consegue tome aquela arma e junte-se à eles! Vai!
Laure meteu a mão em um caixote e puxou uma arma grande, pesada o suficiente para que ela quase não conseguisse mover a outra perna. Se juntou ao restante dos soldados e apontou. Deu o primeiro tiro ao comando da mulher de cabelos cor-de-rosa.
As nuvens fecharam se ao redor da nave. O piloto subiu ainda mais, deu outra manobra e retornou, tentando espalhar as nuvens para pontos de rota diferentes. A visibilidade estava ruim, péssima até. E o pássaro havia sumido.
Morrido.
Caiu.
Acabou.
Todos agora pensavam assim.
- Pousar, comandante? - perguntou o piloto à mulher de cabelos cor-de-rosa.
- Regressar, Tonius. Vamos nos juntar a... - todos voaram dentro da nave e impataram-se contra o teto e o chão. A nave agora estava de cabeça para baixo no ar. Um dos soldados tinha sido lançado para fora e agora despencava por metros.
O pássaro. Surgiu entre as nuves e rasgou o ar num baque surdo. Os olhos de Trent brilhavam ainda mais ferozes e agora um sorriso trincava em seu rosto sórdido. A ave tinha cravado as unhas na lataria na nave e a carregado de maneira desajeitada, de modo que todos lá dentro foram arremessados para todos os lados.
- O que aconteceu? - perguntou, zonza, a comandante.
O pássaro ainda carregava a nave para longe.
- Precisamos sair daqui. Para-quedas. - murmurou, tentando alcançar rapidamente os materiais.
Ela não notara que faltava um dos paraquedas. Algum deles havia pulado antes com um. Apenas pegou um paraquedas e o pôs nas costas. O pássaro esticou as garras e a nave balançou mais um pouco. Ela caiu mais uma vez.
Todos estavam desacordados e Laure Benson tentava abrir os olhos e falar algo. Seu ombro tinha sido atravessado por um ferro grosso. Ela não conseguiria sair dali e tomar um paraquedas para si.
- Ei, calma... calma... eu estou aqui. - disse a mulher de cabelos rosa agachando-se a frente da sra. Benson. - Vou ajudá-la.
A comandante tentou puxar o ombro da mulher, porém o grito foi ensurdecedor.
- Tudo bem. Calma. - disse a comandante, tentando contornar a situação.
Não daria. Laure Benson não tinha chance de sair dali, com o ombro atravessado num ferro pontiagudo da nave. Ela olhou para a comandante e deu um leve sorriso.
- Você... você lembra a minha filha... - disse ela. - Ela teria a sua idade se fosse viva. Eu nunca a esqueci.
- É mesmo? - a mulher se emocionou. - eu sinto muito por ela.
- Eu nunca tive uma vida completa sem ela. Nunca fui feliz de verdade. Talvez agora eu a encontre e a diga o quanto eu a amo, o quanto foi difícil perdê-la e aceitar que ela tenha me deixado aqui. Sozinha. - ela tossiu e sentiu gosto de sangue imediato. - Você é muito parecida com ela, querida. Morrerei olhando para você, você se parece tanto com ela.
- Você não vai morrer. - falou a comandante. - Ouviu? Eu não deixarei isso acontecer.
- A vida é uma passagem. Um caminho glorioso que passamos durante nossa existência eterna. Um caminho entre o surgimento do ser e o paraíso. A morte é a escuridão. Nos cerca e nos diz o quanto vivemos para que tire tudo de nós. Fácil assim!
A comandante sorriu e retirou o paraquedas das costas.
- O que está fazendo? - perguntou a sra. Benson.
- Vou ficar aqui com você. - disse ela. - Nunca tive mãe. Minha tutora falou que ela tinha morrido em um naufrágio quando eu tinha nove anos.
As duas se deram as mãos e sorriram uma para a outra.
- Encontraremos quem nós amamos. - sussurrou Laure Benson. - E seremos felizes novamente.
- Prazer em conhecê-la, senhora.
O pássaro soltou a nave das garras e com queda ela chocou-se contra um prédio. Primeiro o choque bruto e depois a explosão. Todos se foram.

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