PARTE 19- Luzes no alto

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      Era um velho campo de batalha, o Campal Meredith, com as inúmeras ordens de soldados do exército americano. Era lá também que Samwell Prescon (o velho Prescon), pai de Rodrick, servira ao serviço de frente de batalha durante doze anos. Era lá também que dissera ao filho ter visto o "Ordinário do Pasto". Sam dizia que todo ordinário só nasce ordinário porque vieram dois ordinários e o fizeram. Era como um lema patriota, só que ao invés da condecoração em uma bandeira polida o tal lema merecia estar tatuado na bunda de algum troxa, como ele mencionara.
- O Ordinário do pasto agora resolveu dizer que não separei a munição por número de calibre! "Pelasaco"! - reclamara ele com um dos panos no ombro para a esposa.
     Natalie Prescon vivia para a família. Tinha vindo de uma família de militares que serviram à guerra de 2023 na Bélgica. Trabalhava como corretora de imóveis, ganhava seus básicos três mil e quinhentos por mês e tentava garantir o futuro do filho.
- Rod, escovou os dentes? - reclamava todas as noites em tom de desafio ao filho.
     Rodrick, com apenas nove anos de idade, se escondia sobre a coberta e apertava "Pubb" nos braços.
- Venha! Rápido! Ou eu não o deixo dormir com esse coelho hoje! - brigara, mencionando Pubb.
     Rodrick pulou da cama e saiu correndo pelo corredor. Pub, o coelho de pelúcia, ficara na cama. Estava sujo. Natalie olhou para ele pensando em dar uma boa lavada naquele bicho. No final resolveu apenas conferir se o pequeno Rod estava fazendo "o serviço dental" direito.
        Mas agora Rodrick lembrava de tudo isso com um vazio no peito. Mãe. Pai. Pubb. Até o Ordinário do Pasto. O tal senhor que condenava seu pai por tudo de errado que acontecia na base militar e que trabalhava numa fazenda ao norte de Dorving. Seus pais teriam orgulho agora de vê-lo como médico. "Pelo menos até alguns dias atrás sim. Antes de começar tudo isso." Pensou ele.
      Ele estava agora, juntamente com Ralf, as crianças e Inseto levando Arfey Rogan em uma cadeira de rodas, atrás de um prédio em reforma. Os cães estavam se alimentando de uma carne suculenta perto dali. Dois dias não foram suficientes para que o cientista não sentisse mais dores, então foi necessário mais um dia, então seriam mais três para se recuperar e caminhar. Ralf desistiu da ideia e não quis esperar tanto tempo. Sucumbiu à necessidade.
      Um a um puseram o rosto na quina do prédio e avistaram um número de pessoas enorme na rua.
- Eles vêem algo de atrativo nesse lado da cidade. - disse Ralf. - Poucos saem daqui.
      Rodrick tentou conferir e viu que existia centenas, milhares de isolados com aparência de pessoas andando de um lado a outro. Sonolentos. Molengos.
- Para que serve o soro que você nos deu? - perguntou Ralf para Inseto.
- Ele neutraliza parte do seu cérebro com o vapor. Então se torna mais controlável toda vez que ver um... isolado. - ele iria dizer humano, mas não conseguiu.
- Se não tivesse atirado em mim talvez agora eu pudesse ajudar de alguma forma. - disse Arfey, na cadeira de rodas.
- Ajudar? - disse Ralf, o olhando com descrença. - Você teve a chance. Eu a dei. Você não ia ajudar porque pensava que o seu vapor faria efeito e não me deixaria apertar o gatilho. Surpresa, cientista homicida! Não funcionou!
     Arfey não disse mais nada até que Ralf desse os primeiros passos na direção de outros prédios vizinhos. Inseto chamou os cães e Morfo latiu quando viu as pessoas-isolados. Ralf ficara tão arrepiado e gélido que quase rezou pela vida. Os isolados agora os viram. Milhares deles.
- Obrigado por saber controlar o seu cão... - reclamou Ralf.
     Todos correram quando os isolados se aproximaram a passos largos, mais rápidos do que imaginavam. Inseto empurrava a cadeira de rodas de Arfey.
- Fiquem aqui! - ordenou Ralf, retirando uma bolsa que trouxe consigo. - E façam o que vocês sabem que é para fazer!
- O quê? - perguntou, em uníssono, Inseto e Arfey.
     Arfey abriu a bolsa que Ralf pôs sobre seu colo. Tinha um lança granadas e vários potes. Entre eles alguns com substâncias químicas outros vazios.
- Espera! - disse Arfey. - Não... Como assim... Nós...
- Chega! - retrucou Rodrick. - Eu e Ralf vimos nos computadores do Centro de análises sobre a escrivaninha fórmulas complexas de cura. Eu, como médico, analisei cada amostra e vi que usavam esses elementos químicos.
- Isso! Se virem! - disse Ralf. - Eu posso atrasá-los alguns minutos. Se não quiserem morrer também se dediquem a fazer essa fórmula e me dar o lança granada com os potes.
     Rodrick e Ralf partiram e deixaram Joe e Emmy tomando conta para que os cientistas não fugissem. Morfo e Sapo ainda brigavam pela carne.
                   
                            ***
      Ralf tinha matado trinta e sete isolados. Cada um que ele golpeava com a espada era uma dor infernal no cérebro. Mate isolados. Os pensamentos novamente apareciam. São pessoas. Não isolados. Mate isolados.
      Rodrick estava na mesma barca. Matara pouco mais de vinte e cinco e estava zonzo.
      O sol já tinha ido embora e a noite apareceu. Arfey e Inseto ainda persistiam na combinação de elementos. Sem luvas e sem óculos de proteção tudo ficava mais difícil. Havia substâncias corrosivas.
       Ralf viu que mil, dois mil, três mil isolados fechavam cerco ao redor deles. Rodrick estava se esforçando ao máximo para esmurrar com o soco inglês de espinhos de ferro todos que se aproximavam.
- O lança-granada! Rápido! - gritara Ralf, matando o centésimo segundo, centésimo terceiro, centésimo quarto...
- Ainda não! - gritara Inseto.
     Arfey olhou para Joe e Emmy que estavam de costas olhando se Ralf e Rodrick poderiam enfrentar mesmo tudo sozinhos. Ele olhou para Inseto, que segurava nas mãos dois potes de químicos esverdeados. Arfey pegou o lança-granada e deu na cabeça de Joe com a coronha.
- Vamos! Empurra isso! Saia daqui! - gritou para Inseto.
     O cientista soltou os potes e empurrou a cadeira de rodas pelo beco, correndo. Antes que Emmy desse um passo para correr atrás dos dois, Sapo pulou sobre ela, derrubando o arco. O cão fugiu rapidamente logo em seguida.
     A noite deixava a cidade aterrorizante. Porém havia luz agora. Luzes no alto. Vindas de algum lugar lá em cima. Um barulho ensurdecedor acompanhava.
      Os isolados cercaram Ralf ainda mais o derrubando no chão. Rodrick já tinha sido vencido e dois dos imaculados o morderam no braço.
      As luzes desciam. Eram várias. Emmy levantou Joe do chão. O garoto esfregava a cabeça e gemia de dor. No final do beco uma luz se projetou e dava para ver que trancavam a escapatória dos cientistas. Dois seres vestindo branco e máscaras atiraram contra eles. Não uma bala, mas um tipo de catalisador do tamanho de um limão que grudava na pele e lançava circuitos elétricos.
- Vamos, Emmy... - Joe puxou a menina e os dois escaparam pelo beco ao lado. Mas viram que no final também haviam luzes. - Aqui! Entra!
     Joe destampou um bueiro e convenceu Emmy de pular dentro. Ele foi em seguida. Os dois ficaram calados lá em baixo, vendo ratos correrem aqui e ali. E o odor repugnante de fezes e comida podre.
      Helicópteros. Eram helicópteros. Dezenas deles. Com dupla hélice. Espantaram muitos isolados. Mataram muitos outros. Alguns homens desciam por cordas, segurando armas e atirando contra os zumbis nervosos.
     Ralf agora via uma luz acima dele. Estava deitado no chão, quase adormecido, vencido por isolados. Um fio desceu de um dos helicópteros. Desceu e se enrolou no corpo dele. Ralf subiu e subiu. Até se encontrar dentro do helicóptero, onde desmaiou.
     Os helicópteros partiram dez minutos depois. Levando todos que não fossem isolados. Menos duas crianças que buscavam escapar pelos esgotos abaixo da cidade.

Nova Z - O mundo isolado.Onde histórias criam vida. Descubra agora