Realmente. As batidas na porta vermelha de correr tinham cessado. Agora zumbidos permaneciam lá fora, rangendo no vento com dobras de fúria.
O dia tinha amanhecido e Joe acordou com o estômago revirado. A fome veio como um monstro dentro dele que rasgasse suas entranhas lentamente. Como se dissesse: "Estou com fome, Joe. Estou com muita fome, garoto! Come! Come alguma coisa ou será o próximo a morrer!" Parecia que ele ouvia claramente os sussurros do monstro. "Você quer ser o próximo a morrer? Não? Então me alimenta, catota!"
Catota. O monstro interno dentro dele tinha sussurrado em sua mente Catota. Esse era o apelido de Joe até dois anos antes no antigo colégio. Ele odiava o apelido. Odiava impiedosamente. Realmente seria um monstro. O pior que já vira. O que vivia dentro dele. O que rugiu quando correu na direção de Leo quando o isolado o atacou. Agora o mesmo pedia alimento. "Sangue. Quero sangue e carne podre dos mortos." Joe jurou que ouvira esse último sussurro do monstro. Jurou. Ou estava ficando louco? Ele fez uma careta e tentou esquecer. Pensando em Nimbo. O peixe. Ele com certeza morreria no aquário. Morreria de fome. Assim como seu dono.
Do seu lado, Emmy despertou. De repente agiu de uma maneira que Joe não esperou. Ela o abraçou e o deu um beijo na bochecha. Joe ficou calado. Não disse nada até que todos estivessem bem despertos e de pé. Ralf analisava o cartucho da arma. Rodrick recolhia a bolsa e olhava para dentro, pondo o restante dos aparelhos que havia tirado para salvar a vida de Leo. O garoto estava no chão. Morto. O governador Trent retirara o terno e agora a peça de roupa estava sobre o corpo frágil e infectado do menino.
"Ele pode não estar morto. Talvez ele se transforme em um isolado em poucas horas. Por enquanto ele está em um estágio de transição entre o antigo sistema corporal humano para o póstumo." Dissera Rodrick.
Então Leo poderia muito bem levantar agora mesmo e matar todos. É claro que sim. E estavam trancados naquele galpão por toda uma noite. Sem comida. Sem ver a luz do sol.
Resolveram, então, arriscar. Como quem arrisca andar em uma corda bamba a dois mil metros de altura ou saltar em um mar de tubarões para salvar um bebê se afogando. Era um tiro no pé. Mas tinham que arriscar.
Ralf tomou a dianteira. A arma em punho simbolizava liderança. Logo atrás vinham o governador com a sra. Benson agarrada ao seu braço. Trent ainda segurava firme o taco em uma das mãos, a mesma com respingos do sangue coagulado de Leonard. Atrás seguia Rodrick com o corpo do garoto nos braços e a bolsa pesando nas costas. Por último vinham as crianças. Emmy olhava para a cabeça de Leo recaída de lado acima do antebraço do médico e soluçou. Dando indícios de que começaria novamente a chorar. Joe escutava ainda o monstro interno rugindo: "Ouviu? Passa por essa porta e coma o primeiro pedaço de carne podre e sangrenta que achar! Você está faminto, garoto! Assim como eu!"
Joe afastou os pensamentos e se concentrou no medo que persistia antes de atravessar a porta vermelha do galpão.
Ralf e Trent empurraram a porta para a direita. O barulho de metal rangendo contra os encaixes no solo era perturbador. A faixa de luz começou a entrar no galpão. Ralf teve a sensação de estar acordando. Saindo do escuro e enxergando o dia. Mas nascia no inferno. O portão foi arrastado um metro e meio, então eles passaram.
- Você! Atrás dos containers. - apontou Ralf, fazendo Trent e a sra. Benson se evacuarem para trás dos enormes containers azuis da fábrica ao lado.
O policial ainda apontava a arma. Nada de isolados. Porém, nenhum sinal de vida. Ralf encarou com olhos lúcidos os prédios e casas alinhadas da avenida. Tudo estava um completo horror. Prédios particulares e obras públicas destruídas com nuvens de areia e fumaça mescladas no ar. Detritos formavam agora as ruas. Alguns estabelecimentos e veículos ainda estavam incendiando. As poucas chamas eram suficiente para formar um manto de vapor sobre eles.
Rodrick continuou seguindo Ralf pela praça entre os prédios piramidais. O corpo de Leo sustentado em seus braços. O silêncio era mortal. O silêncio era um manto negro da morte pairando sobre cada um deles. Uma sombra em uma tempestade que dava gargalhadas.
"Coma ou seja comido! Devore ou seja devorado!" Gritava o monstro no estômago de Joe. Ele tapou os ouvidos desconfortavelmente. Emmy o olhou com o cenho franzido, mas não comentou nada.
Ralf, Rodrick e as crianças seguiram por uma das ruas. Enquanto isso o governador soube que Ralf apontava não para os containers, mas para um pequeno veículo de carga.
Ralf pisara no asfalto com corpos por todo lado. Estraçalhados. O coração do policial desacelerou e impulsionou os batimentos rapidamente. Entre um prédio de construtora e um posto de gasolina centenas de isolados andavam de um lado a outro. Uns ainda devoravam corpos, outros se arrastavam no asfalto quente com dificuldade. Porém pareciam resistentes o suficiente.
"Merda!" Disse Ralf contornando uma semiesfera de metal.
Um barulho de motor riscou o som reverberado dos isolados. Um pequeno carro vinha pela direita, controlado pelo governador Trent e a sra. Benson ao lado.
"Uma péssima ideia, imbecil" pensou Ralf. Ao mesmo tempo que os isoladoa despertaram ainda mais com o barulho. Centenas deles agora estavam atentos olhando para os humanos visíveis ali. Comida fresca. Começam a avançar.
Todos entraram no carro. Trent dirigiu pela rua contrária. Isolados vinham por todo lado agora. Alguns alcançando o veículo e enfiando as mãos sangrentas e cinzas pelas janelas. Um deles alcançou a sra. Benson e arrancou parte de seu colete de renda. Outro veio pela esquerda e puxou o braço de Joe. O garoto se debateu, enquanto o isolado pendurado se arrastava no asfalto. Não largava.
"Agora você é a comida, garoto! Eu avisei! Eu avisei!" Dizia o monstro agora para o garoto. Ele gritou mentalmente: "CALA A BOCA!". E o monstro riu tanto na cabeça dele que Joe ficara tonto.
Emmy ergueu uma das pernas e chutou a cabeça do isolado. A cabeça do zumbi rolou pelo asfalto como uma bola de basquete, quicando por metros a frente.
Joe foi recolhido totalmente para o carro. O coração saltitando no peito. Mais a frente doze isolados, Ralf pôde contar, corriam contra o veículo. Pareciam ansiar por uma segunda morte. Atingiram o carro com força. O impacto destruiu a parte da frente. Os isolados agora tentavam retirar todos do veículo. O governador Trent teve o mesmo pensamento que Ralf. Olharam para Rodrick e o médico criou coragem e lançou o corpo de Leo para fora do veículo. Isolado a isolado se desprendeu do veículo de carga. Avançaram sobre Leo. Uma isca.
O monstro agora não só gritara na mente de Joe. Mas na de Emmy também. "Leo! Leo! Leo!"
O veículo arrancou. Foi aí que Ralf percebeu que o cartucho estava vazio. Sem balas. Sem esperança. Rezou para chegarem a algum lugar seguro. Mas de norte a sul, tudo, em todos os lugares, isolados faziam uma grande caminhada.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Nova Z - O mundo isolado.
RandomZerith era uma cidade que acordava com o sol subindo maravilhosamente no horizonte. Agora só é Nova Z. Em 2082 Arfey Rogan desenvolveu um vírus para acabar com a raça negra. Mas o cientista não obteve êxito. O vírus atingiu pessoas brancas, as mais...