PARTE 30- O início do confronto

11 1 0
                                    

       Um eco preponderante emergiu como um vento grotesco para além das pedras do mar. Esgarçou e fugiu como um cão foge de um lenhador com um machado nas mãos. Grunhindo e tão repentinamente que finas camadas de escuridão atingiu o ambiente e deixou tudo silencioso.
     Enquanto isso Ralf escondia o rosto nas mãos, como uma criança assustada. Mas a verdade era que tudo remetia à insegurança, demonstrando uma fraqueza nem sempre considerada covardia. Ele fechou os olhos e sentiu o cheiro de maresia, salgado como se tivesse provado, ardente como se ousasse ter sentido na pele.
      Ele tinha sonhado uma hora antes com o bebê semienterrado no caminho. A criança estava chorando horrores num berço feito de tábuas podres e musgo, dedilhada com cera e ervas daninhas cresciam na base, enroscando-se pela madeira desgastada como serpentes de cipó. O choro do bebê ribombou no ar como sons pálidos de um trovão isolado, tossindo e berrando, quase perturbador o suficiente para fazer Ralf ficar com o coração partido.
      Ele deu dois passos e em seguida outro, sempre com receio de se aproximar demais do berço no meio da floresta. Choro, choro, choro. Nunca parava. Talvez nunca mais parasse. Mas ele insistiu.
      Deu o quarto passo quando o bebê parou de berrar. Depois outro e a criança soluçava, lançando algumas fungadelas de socorro, com a mãozinha se erguendo em modo de ajuda.
     O choro recomeçou depois que Ralf se aproximou o bastante do berço para enxergar o bebê. Ele estava coberto com uma toalha felpuda dos pés a cabeça, sem fôlego algum, talvez por isso estivesse chorando horrores.
     Ralf recuou alguns centímetros e puxou a toalha em seguida. O que viu o deixou ainda mais perplexo: o bebê não tinha nenhum dos olhos, as unhas eram maiores que as próprias mãozinhas, com sujeira e larvas andando sobre elas.
    Por um minuto Ralf queria sair correndo dali, ignorar que aquele bebê precisava de ajuda e partir pela vastidão do sonho. Mas o que fez testou até a própria capacidade de audácia: tentou alcançar a cabeça da criança e tocá-la, fazer algum carinho ou mesmo sentir a temperatura dela, de alguma forma. Talvez isso a fizesse parar de chorar.
      Tocou-a. A pele estava fria como gelo e pálida como a neblina noturna. O bebê parou de chorar e só lançou alguns sons fe suspiros,  saídos do ventre. Olhou para Ralf, mesmo sem ter olhos. Ralf sentiu como se houvesse duas pupilas grotescas o encarando ali no lugar da pele funda onde ficavam as córneas. As mãos pequeninas da criança se fecharam em volta do braço dele, cravando as unhas enormes na pele e subindo em direção ao pescoço de Ralf.
      Ele se sacudiu, caiu para trás e tentou se libertar. Depois que o bebê alcançou seu peito com as unhas grotescamente assassinas, ele sentiu um frio atravessá-lo. E de certa forma foi o que aconteceu. As unhas atravessaram o peito de Ralf e tocou o seu coração rubro e palpitante, que logo foi parando quando as mãos do bebê fecharam-se ao seu redor. Parou assim como sua respiração e sua vida. Ele acordou traumatizado.
- Sonhou que tinha feito um filho em alguma infectada, cara? - perguntou Mowro, mordendo uma maçã.
- Para acordar assim talvez a infectada fizera um filho nele, Mowro. - disse Dowro. - Diz aí, novato, qual de nós dois acertou?
    Ralf balançou a cabeça tonta e se ergueu.
- Nenhum dos dois. - disse, enfadado. - Vamos.
     O comandante vinha pela direita, saído de trás de uma árvore alta.
- Um helicóptero virá nos resgatar em alguns minutos. Preparem-se. - disse ele.
- O quê? - retrucou Ralf. - Como assim?
- Nossa missão foi cancelada, soldado. - respondeu. - Viemos aqui para nada. Assim como todos os grupos da excursão. Outra saída foi encontrada, uma outra ideia menos suicida. Ebay me contatou pelo rádio e nos avisou do nosso resgate.
- Então... - começou Dowro. - Voltaremos ao submarino e continuaremos na vigia?
- Não. - negou o comandante. - Não existe mais a base submarina. O tal cientista causador do vírus o afundou completamente. Pessoas morreram, outros viveram. Mas pelo que parece ele teve uma ideia que pode amenizar o problema.
- E vão acreditar nele? - Ralf estava possesso. Seus olhos brilhavam de raiva. - Que... Não podem... ele vai controlar... controlar todo mundo!
- São ordens, soldado. - concluiu o comandante. - Não posso negá-las.
     O helicóptero pousou em poucos minutos. Todos entraram e Ralf fora o último deles. Enquanto olhava pela janela, não soube se era só uma ilusão causado pelo sonho, mas o bebê, dessa vez com olhos, estava nos braços da mãe e do pai. Os três estavam cheios de terra e com roupas rasgadas. A mulher falou alguma coisa e Ralf, por alguma razão, conseguiu ler seus lábios:
"Vamos nos ver em breve. Adeus."

Nova Z - O mundo isolado.Onde histórias criam vida. Descubra agora