2. Consenso

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Concluindo que eu não apresentaria reação alguma, Austin puxou uma cadeira de frente para mim e se sentou. Seus olhos, de um tom escuro de castanho, não deixavam os meus. Ele não sorria mais.

– Sabe, em algum momento você vai ter que conversar comigo – proferiu ele.

– A questão é que não tenho nada para conversar com você – rebati, o fuzilando com os olhos.

– Camila, você está levando as coisas de uma forma muito ranzinza. O que tivemos foi apenas uma discussão. Não precisava levar tudo tão a sério.

– Ranzinza? Você realmente não me entende. Nunca vai me entender. E, por favor, vá embora porque não tenho o que resolver com você. Acabou, Austin. Vá viver a sua vida – disse a ele sem esconder a irritação que tomava conta de mim.

– Eu não entendo você? – questionou Austin, completamente cético. – Será que você já esqueceu que meus pais também se divorciaram? E eu tinha apenas dez anos – defendeu-se, e era muito nítido que eu o havia ofendido.

– Não me refiro ao divórcio, mas sim a parte de eu estar ressentida pelas atitudes de meus pais – expliquei-me, respirando fundo.

– Às vezes as pessoas simplesmente não dão mais certo, Camzi – disse ele, dando um suspiro.

Eu sabia que ele estava certo, mas era difícil demais admitir isso em voz alta. Mais difícil ainda era admitir o quanto eu sentia falta dele.

O cabelo de Austin, que ia até a base de seu pescoço, estava bagunçado e molhado – provavelmente por causa da chuva. Pequenas ondas se formavam nas extremidades dos fios negros, realçando seu moderno corte de cabelo.

Mesmo no uniforme da escola Austin ficava lindo. Suas sobrancelhas grossas se franziram e o maxilar quadriculado enrijeceu. Eu sabia que estava fazendo ele sofrer. Por mais que Austin andasse se enroscando com algumas garotas nos últimos dois meses – mais um motivo para me aborrecer –, era nítido que ele gostava de mim. E eu gostava dele.

– É, às vezes elas não dão mais certo – enfim concordei.

O claro rosto de Austin relaxou.

Senti a tristeza me invadir. Aquela conversa me fizera pensar em coisas que eu evitava a todo custo ter em minha cabeça. Mas parecia impossível. De tempo em tempo o divórcio preenchia meus pensamentos.

Os motivos que levaram meus pais a se separarem não eram incomuns ou difíceis de serem compreendidos.

Há seis anos meu pai havia conseguido uma vaga no hospital Albert Einstein, e lá trabalhava como clínico geral. Desde então o casamento com minha mãe começou a ser abalado. Afinal, nunca foi um segredo o quão tumultuada poderia ser a rotina de um médico. Minha mãe também era uma mulher ocupada, pois era arquiteta de uma grande construtora de São Paulo. Contudo, mesmo possuindo muitas obrigações, tinha folga em finais de semana e feriados. Meu pai não tinha.

Ele possuía uma responsabilidade muito grande com o hospital, pois os pacientes de lá, obviamente, eram pessoas de maior prestígio social, ou seja, exigiam uma atenção rigorosa. Diversas vezes ele sequer voltava para casa. Dormia no hospital ou se mantinha ocupado com plantões e mais plantões. Às vezes ele parecia fazer isso de propósito, só para não ter que ouvir mais reclamações por parte de minha mãe quando chegasse em casa. E isso só acentuava a distância que havia entre eles.

Dessa forma, não houve amor que resistisse. No último ano eles mal se falavam. Aquilo me aborrecia profundamente, pois eu via o casamento deles ruindo lentamente diante de meus olhos.

Meus laços com meu pai se tornavam cada vez mais impalpáveis, porque ele acabara se tornando um fantasma na minha vida.

Pouco tempo depois de assinar o divórcio, minha mãe, "coincidentemente", recebeu uma proposta de trabalho vinda dos Estados Unidos. Era meio que uma oportunidade única trabalhar para uma construtora tão renomada quanto aquela. Ela insistiu para que fôssemos juntas para Chicago, mas me senti incapaz de deixar minha vida para trás. Era impossível abandonar Allyson, Austin, a escola, minha casa. Impossível.

E mais impossível ainda era minha mãe recusar a proposta de emprego. Faria bem a ela um recomeço. Entretanto, aquilo me custaria caro. Tê-la longe era terrível, mesmo que nos falássemos sempre por telefone. Eu queria que ela fosse feliz, mas meu egoísmo era muito forte. O divórcio, a distância entre eu e ela... era tudo detestável.

Fiquei em São Paulo com meu pai, mas era como se eu morasse sozinha. Mal nos víamos. Quando era possível, ele se esforçava para manter algum diálogo entre nós, mas eu notava o quão amargurado ele estava. A situação simplesmente estava turbulenta. Eu me sentia praticamente uma órfã. Esse fato me trazia angústia.

– Volte para mim, Camila – pronunciou-se Austin com a voz intensa, me tirando de meu transe.

– Por que eu deveria? Você já tem muitas namoradas por aí – escarneci, exibindo um largo sorriso ensaiado.

– Pare com isso, você sabe que elas são apenas uma distração – defendeu-se o moreno, crispando os lábios.

– E quem me garante que eu também não sou uma distração para você, Austin? – inquiri, lançando para ele um olhar altivo.

Tudo bem, eu já estava sendo maldosa. Eu tinha algumas tendências a passar dos limites em situações delicadas, principalmente quando pessoas que gostavam de mim estavam envolvidas.

Eu sabia que Austin Mahone me amava, e não era pouco. E também sabia que meu mau comportamento o magoava e incomodava, eu só não conseguia evitar. Às vezes essa excentricidade poderia se tornar maior do que eu.

– Camila, você sabe que você é única para mim – disse ele, estendendo uma de suas mãos sobre a mesa e mantendo a palma voltada para cima, numa espécie de convite.

– Tudo bem – resolvi ceder, pois implicar com ele apenas nos afastaria ainda mais.

Envolvi sua mão aberta com a minha e a pressionei com gentileza. Austin abriu um sorriso imenso e verdadeiro, mas era perceptível uma certa dose de arrogância nele. Sorri de volta para o moreno, suspirando.

Austin soltou minha mão e se levantou, logo em seguida sentou-se em uma cadeira que estava bem ao meu lado. Passou seu braço forte e protetor sobre meus ombros e virou o corpo em direção a mim. Também me voltei para ele. O moreno sorriu mais uma vez, enchendo meu coração de paz com esse simples gesto.

Tomou meus lábios com os seus e deu início a um beijo lento, porém intenso e repleto de saudade. Correspondi-o imediatamente, percorrendo seu rosto com a ponta de meus dedos. Era tão bom tê-lo dessa forma. Eu havia sentido falta de todo o calor que Austin transmitia para mim.

Mordi o lábio inferior do moreno vagarosamente antes de encerrar o beijo. Ele suspirou pesadamente e abriu os olhos, ficando a me fitar.

– Eu não consigo tirar da minha cabeça esses seus olhos castanhos. Parecem-se muito com as folhas secas de outono – disse ele, um tanto quanto inseguro. Austin não era um rapaz de muitas declarações ou olhares apaixonados, mas, de alguma forma, eu despertava esse lado nele.

– Pois é, eu sei. Eu costumo causar esse efeito nas pessoas – descontraí, sorrindo para ele. Eu sabia que por ora era melhor evitar aquele tipo de conversa.

– Você é mesmo uma garota arrogante – reclamou, revirando os olhos.

No segundo seguinte Austin estava me beijando novamente.

Uma Estranha Em Minha VidaOnde histórias criam vida. Descubra agora