18. Trezentos e Sessenta Graus

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Inconstante. Adjetivo que provém do latim "inconstans". In-cons-tan-te. Não constante, volúvel, incerto, mudável, pouco seguro. Eu poderia empregar qualquer outra palavra para descrever o que a vida poderia ser, mas nenhuma outra cabia melhor do que "inconstante". A vida era inconstante, surpreendente, amável, odiada, trapaceira. Eu ficava me perguntando se a palavra inconstante havia derivado de vida, ou se vida derivava de inconstante. Acho que eu nunca iria descobrir.

Eu estava ali, paralisada. Eu não conseguia piscar, mesmo que o fecho de luz provindo da entreaberta porta do escritório de Alejandro ferisse minha pupila como se fosse uma lavareda de chamas. Podia sentir rastros de um líquido morno escorrerem pela lateral de minha face e pingar em meu colo desnudo constantemente. Meu maxilar estava até dolorido, de tão rígido que se encontrava. Paralisada. Eu não conseguia mover um músculo, pois parecia que o mundo iria desabar se eu o fizesse.

Mas e o chão? Eu não conseguia mais senti-lo. Para onde o chão tinha ido? Meus olhos enfim se voltaram para baixo e esse simples movimento fora mais doloroso do que eu jamais poderia pressupor. Estavam tão secos, tão travados, tão esgazeados. Eu via, mas não tinha certeza se era capaz de realmente enxergar. Vi apenas o contorno de meus pés alvos e descalços. Mas e o chão? Eu não conseguia mais senti-lo.

O que havia provocado tudo aquilo era tão simples, mas ao mesmo tempo tão absurdo. Eu conseguia ouvir aquelas palavras terríveis atacando meu cérebro furiosamente, como se fossem vespas famintas. Ah, palavras... Vespas.

Flash back

Barulho de sirenes ao longe, barulho de alguma coisa fazendo "click", barulho de metal. Lentamente fui abrindo os olhos e recobrando a consciência. Eu não fazia ideia de que meu sono estava tão leve. Quando me dei conta, estava deitada na cama de Lauren. Ela estava com a cabeça recostada sobre meu ombro e com seu braço esquerdo apoiado em meu abdome. Eu pude ouvir seu leve ressonar, portanto nem foi sequer preciso olhar para baixo para constatar que ela dormia profundamente.

Poucos segundos depois acabei me dando conta de que eu estava sonhando e que o barulho que me acordara era apenas o portão eletrônico de minha casa se abrindo. Eu nunca havia notado que durante a madrugada ele poderia ser tão barulhento. Mas, espere. Se eu nunca havia notado era porque aquilo nunca tinha acontecido antes. Aonde será que Alejandro poderia estar indo a uma hora daquelas?

Virei a cabeça para o lado e visualizei a janela do quarto de Lauren. Dali dava para ver a entrada da casa perfeitamente. Como as pequenas luzes do gramado estavam acesas, pude ver que duas pessoas estavam ali. Uma era Alejandro, que reconheci instantaneamente, e a outra era uma mulher. Como estava um tanto quanto escuro, demorei um certo tempo para reconhecê-la.

"Mãe!", exclamei em pensamentos, quase sobressaltada. O que ela estaria fazendo em minha casa de madrugada? E como fora capaz de não me avisar que estava vindo para São Paulo? Argh, aquilo era maldade comigo. Mas, tudo bem, provavelmente queria fazer uma surpresa. Se aquela era a intenção, havia conseguido. Dessa forma, fui gradativamente me animando enquanto uma saudade esmagadora ia tomando conta de mim. Senti vontade de correr em direção a ela, abraçá-la por pelo menos meia hora e enchê-la de beijos, como fazia quando ela ainda morava comigo. Mas... Mas eu não conseguia me mover só de pensar no calor do corpo de Lauren tão próximo ao meu, na sua respiração suave indo de encontro ao meu pescoço e no seu braço me envolvendo com gentileza. Talvez eu pudesse ficar só mais um pouquinho ali.

Se bem me lembrava, Sinuhe costumava dormir durante toda a viagem de avião, mesmo que ela durasse apenas uma hora. Aviões tinham um poder de sonífero muito grande sobre ela, era impressionante. E, se bem me lembrava, o vôo de Chicago para São Paulo era absurdamente demorado, então eu tinha certeza de que ela havia dormido o suficiente para ficar acordada por mais de vinte e quatro horas. Ela poderia esperar mais vinte ou trinta minutos dentro de sua antiga casa enquanto eu tomava coragem para conseguir me livrar da reconfortante presença de Lauren. Ou talvez fosse precisar de mais tempo do que aquele. Ok, se eu fosse ficar pensando naquilo, jamais levantaria daquela cama.

Uma Estranha Em Minha VidaOnde histórias criam vida. Descubra agora