Uma Estranha Em Minha Vida

19. Raízes

O silêncio me abraçava, assim como a escuridão. Eu estava tão anestesiada, incapaz de me mover na cama. O travesseiro sobre o qual eu mantinha minha cabeça recostada estava ensopado e fazia com que o lado direito de minha face ficasse gelado. Ah, aquela sensação era boa, pois eu sempre odiara travesseiros quentes. Quando eles acabavam esquentando, eu os virava de um lado para o outro, tentando encontrar um pedaço deles que estivesse fresco.

De repente senti um incômodo em meu maxilar e só então acabara me dando conta de que ele estava extremamente rígido, comprimido. Tentei relaxar os músculos e notei que o travesseiro, que ia gradativamente esquentando, voltara a ficar confortável, gelado, aconchegante. Eu chorava de novo. As lágrimas escorriam de uma forma ininterrupta e minha garganta ardia. Ah, droga. Conforme os soluços escapavam meu abdome se contraía de forma dolorosa, pois eu estava a repetir aquele mesmo processo por mais de duas horas. Quanto tempo mais eu seria capaz de aguentar? Minha cabeça começou a girar furiosamente conforme todas aquelas palavras que eu ouvira pouco tempo atrás iam corroendo o meu cérebro.

Enganada. Manipulada.

Ai.

Rolei na cama e fiquei de barriga para cima. Afundei a ponta dos dedos em minha cabeça com muita força – disso eu tinha certeza –, mas o sofrimento e a fúria eram tão grandes que eu era incapaz de sentir dor física. Eu ia acabar enlouquecendo.

Eu não sabia o que fazer, o que pensar, o que concluir. Simplesmente doía muito e parte de mim se recusava a aceitar aqueles fatos que haviam sido apresentados no escritório de Alejandro. Como eles haviam sido capazes de me fazer viver uma ilusão durante quase dezoito anos da minha vida? Era tempo demais chamando o ex-marido de minha mãe de "pai". Eu não podia deixar de pensar no quanto minha vida poderia ter sido melhor se eu não tivesse vivido ao lado de Alejandro por todos aqueles anos.

Fiquei a divagar.

Alejandro só havia traído minha mãe porque ela o traíra primeiro. Mas e se ele não tivesse a perdoado? E se eles tivessem se separado antes de meu nascimento? E se minha mãe tivesse casado com meu pai biológico? Bem... Alejandro poderia ter acabado se casando com Clara e criado Lauren. Lauren poderia ter crescido ali, naquela casa que ela tinha conhecido tão pouco tempo atrás. Ela poderia ter estudado a vida inteira em meu colégio, feito muitos amigos, talvez até cruzado caminhos com Allyson ou Austin. Ela poderia ter tido um pai, um pai que iria realmente amá-la. Um pai que me amou, mas que poderia ter amado mais uma filha se ela tivesse o mesmo sangue que ele.

E eu? Bem... Eu poderia estar morando com minha mãe. Talvez ter crescido no Rio de Janeiro – onde ela sempre quisera morar – e conhecido e convivido com outras pessoas. Eu seria uma morena mais bronzeada, como carioca eu já teria me contaminado devido às frequentes visitas às areias de Copacabana. E, bem, minha mãe poderia ter sido feliz e me levado para conhecer diferentes lugares no mundo. Talvez meu pai biológico seria mais afetuoso do que Alejandro e mais atencioso com minha mãe. E quem sabe eu não teria irmãos para brincar comigo na praia? Irmãos para preencher o vazio que existia em uma casa tão sem calor como aquela na qual fui criada?

A vida poderia ter sido tão diferente, tão melhor, tão mais colorida. Não que eu pudesse reclamar das coisas maravilhosas que eu já havia experienciado morando junto com Alejandro, mas as pessoas sempre acabavam achando que qualquer mudança na vida teria sido positiva, que tudo poderia ter sido perfeito.

Bastarda. Fruto de uma infidelidade.

Meu Deus, como eu fora hipócrita, como eu fora arrogante, como eu fora maldosa. Havia acusado Lauren de ser uma bastarda, fruto de infidelidade, quando na verdade eu era a mesma coisa. Eu infligira dor a ela, a punira e a julgara por erros que não eram dela. No final, eu que não era filha de Alejandro, eu que não era uma Cabello. Lauren agora era uma Cabello. Não mais Karla Camila Cabello Estrabao, apenas Karla Camila Estrabao.