21. Percepção

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Estava tudo preparado. As malas se encontravam prontas e bem guardadas no bagageiro do Mercedes de Alejandro, eu e minha mãe já havíamos tomado café e nos vestido, as passagens estavam em mãos. Só faltava nos deslocarmos até ao aeroporto.

Sendo assim, entramos no carro e fechamos as quatro portas simultaneamente. Minha mãe estava assumindo o banco do motorista, pois Alejandro havia dito a ela que se sentia incapaz de dirigir naquela manhã, então ele se sentou no banco de passageiro. Eu e Lauren ficamos atrás, e ela ficou o mais próxima de mim que pôde. Sua mão acariciava a minha constantemente e, embora o toque fosse suave, eu podia sentir toda a ansiedade ali contida.

Ela estava muito quieta e me olhava com intensidade. Aquele olhar dela me dilacerava, porém não mais do que a ideia de ficar tantos dias longe dela. Seria uma tarefa e tanto e eu com certeza iria querer contatá-la diariamente. Percorri seu rosto lentamente com minha mão vaga, e em meu rosto deixei fluir uma expressão distorcida, e eu estava certa de que era um pedido para que ela não chorasse, pois eu não suportaria. Ela assentiu, parecendo compreender perfeitamente a minha mensagem, e então eu sorri.

Olhei para frente e me deparei com o reflexo dos olhos de minha mãe no retrovisor. Sua expressão era absolutamente indecifrável, o que estranhei. Ela era uma mulher de sentimentos e pensamentos muito transparentes. Logo ela voltou seus olhos para a estrada e eu me desliguei daquele pensamento.

Observei as pessoas ali dentro do carro – minha mãe, minha irmã, meu pai. Nós poderíamos ser uma família, talvez, se meus pais não fossem divorciados, se eu e Lauren não fôssemos ambas filhas de fora do casamento deles, se nós duas não estivéssemos apaixonadas. Naquele momento eu tive certeza de que o mundo era um lugar muito estranho e que as possibilidades dentro dele eram infinitas e, muitas vezes, completamente absurdas. Mas era o que era.

Minha mãe enfim encontrou uma vaga para estacionar o carro e então saímos dele. Alejandro abriu o porta-malas e entregou a mim e a minha mãe nossas malas, e assim fomos as puxando em silêncio em direção ao interior do aeroporto. Ele estava praticamente mudo e eu via em seu olhar que ele me implorava para não ir embora. Eu ainda não sabia muito bem como me sentir em relação a Alejandro, mas estava consciente de que a tristeza dele me afetava profundamente. Preferi não pensar muito naquilo.

Ao chegarmos ao interior do Aeroporto de Congonhas, me senti com uma leve vertigem. O saguão era gigantesco e, embora fosse muito cedo, já estava praticamente abarrotado de pessoas. A maioria parecia estar com pressa, puxando malas de um lado para o outro. Era óbvio que o check in demoraria uma eternidade com o tamanho daquelas filas que se formavam diante dos balcões de recepção.

Minha mãe disse que tomaria conta daquela parte sozinha, pois achava que eu deveria aproveitar um pouco mais meu tempo com Alejandro e Lauren. Encontramos, depois de alguns minutos, assentos para nós. Sentei-me entre os dois e logo a mão de Lauren já estava sobre a minha.

– Mila, você precisa mesmo ir? – indagou Alejandro, voltando-se para mim com uma expressão de decepção.

– Sim, eu preciso. Vai me fazer muito bem e... – comecei a explicar com a voz um tanto quanto instável e, após uma pausa, prossegui: - E... Quer dizer, eu volto dentro de poucas semanas. Não vai ser definitivo.

– Vai voltar mesmo? – tornou a inquirir, e parecia que, lá no fundo, ele sabia que se eu ficasse algum tempo com minha mãe, mesmo que este fosse mínimo, dificilmente eu voltaria a morar em São Paulo.

– Claro que vou – tentei alegar com a maior firmeza que pude encontrar em mim.

Alejandro exibiu um sorriso triste para mim e beijou minha testa de forma muito terna.

Uma Estranha Em Minha VidaOnde histórias criam vida. Descubra agora