O maldito despertador toca, trazendo aquele insuportável barulho aos meus ouvidos e fazendo-me pular da cama, como todas as manhãs tediosas da minha vida tediosa. É dia de aula, então eu sempre tenho que lembrar: "vou passar três horas sentados naquela cadeira, ouvindo as conversas sem objetivo dos meus colegas de classe, andar em um corredor lotado de adolescentes conversando sem objetivo e voltar à cadeira para ouvir as mesmas conversas sem objetivo e gritos dos professores" - tudo na vida tem um objetivo, todos nós temos que ter um objetivo. Você não sai de casa sem antes saber qual é o seu objetivo de querer sair, você não trabalha a semana toda sem ter um objetivo - eu fico me perguntando: "qual é o objetivo desses jovens em conversar o tempo todo sobre figurinhas?"
Estou pronto para ir ao colégio.
Mamãe está ao telefone, e pela sua cara, a conversa não está nada interessante. Ela bate o telefone na mesa da cozinha, coça a cabeça e vira o rosto quando me vê. "Tudo bem mamãe?", pergunto. Está chorando agora. Me aproximou um pouco, ainda sem entender o que está acontecendo, enxugo suas lágrimas e a envolvo em um abraço longo e apertado; "Tudo bem mamãe, tá tudo bem", indago. Ela me olha como se precisasse me dizer algo, então... Ela diz o que está deixando-a desse jeito, e tudo muda. As palavras tentando se ajustar em minha mente, enquanto tento ser forte em não querer chorar, mas parecia ser impossível em um momento como este, em um momento de perda. "Sua avó Mercedes morreu", ouço em pensamento. É só o que ouço, nada mais.
Vovó Mercedes foi a única pessoa da minha família que ficou sabendo que sou homosexual. Ela soube guardar esse segredo até hoje, até seu último dia de vida - sabe quando vivemos nos atormentando com algo dentro de nós e precisamos desabafar com alguém? Foi o que acontecera comigo, precisei desabar com alguém que me entendesse, que me ajudasse - sentirei muita falta da vovó Mercedes, muita. De seus doces, histórias de terror, da voz fraquinha... De vê-la abordando toalhas todas as primaveras, de seu péssimo gosto para roupas e de seus conselhos.
No dia seguinte, também fico sem ir ao colégio por conta do velório. Todas aquelas pessoas, todos aqueles rostos, todo o preto à minha volta, vozes, choros e o cheiro de flores, tudo invadia meus sentidos. Encontro Douglas, meu primo de New York, o garoto que vivia se masturbando em meu quarto. Também encontro July, minha melhor amiga, que parece que está sentindo o mesmo que eu. Ela sabe como me sinto, então resolve me deixar um pouco só. Enterros são todos iguais, deprimentes e chatos. Sentado em um túmulo, observo tudo e todos, principalmente um garoto que nunca o vira antes. Não está vestido para uma ocasião como esta, mas... Ver esse garoto me fez eu me sentir melhor - não pelo garoto ser um colírio em meio ao cansativo velório, mas por ele estar alí, de regata com uma pá nas mãos, observando os rostos tristes - as gotas de suor brotando de sua testa, os braços fortes, o cabelo bagunçado e os seus lindos olhos verdes.
Todos vão embora.
Menos eu...
Continuo no mesmo lugar de antes, sentado no túmulo. O sol forte tocando meu rosto pálido, o vento fraco, dando voltas na copa das árvores, o barulho de algo cavando a terra e de uma voz gritando: "pai? A cova está quase pronta!", mas um enterro iria acontecer, mas tento me livrar dos pensamentos deprimentes e me concentro na voz daquele garoto. "Como será seu nome? Quantos anos será que ele tem? Onde deve estudar? É comprometido?", perguntava-me - se ao menos eu tivesse a coragem que July tem, fazia todas essas perguntas a ele sem exitar - o garoto está tão perto e ao mesmo tempo tão longe. Ele tira sua camiseta regata, toma um pouco de água e volta a cavar, mostrando seu físico definido e suado;
Ele me vê.
Ele sorri.
Ele acena.
"E agora? O que faço? Meu Deus!", gritava mentalmente; aceno de volta, me aproximando sem saber o que vou dizer quando estiver frente a frente desse garoto suado. Minhas mãos transpiram, o suor sai frio.
- oi, sou Miles - diz ele, uma voz extremamente doce - como se chama?
- Isaac... - respondo, carregado de timidez - então, você... Costuma... É... - travo, ouvindo as batidas do meu coração, pronto pra saltar do peito.
- cavar muitas covas? Não, não costumo. E você, costuma aparecer muito em enterros?
- não, na verdade nem gosto, mas tive que marcar presença, sabe... Minha avó.
- entendo - diz ele, saindo da cova e estendendo sua mão para mim, sorrindo, com o rosto sujo de terra, mas que mesmo assim continuava lindo - gosta de chocolate? - perguntou, tirando do bolso de sua calça uma barra de chocolate.
- sim, gosto - confirmo, aceitando um pedaço da barra de chocolate quase derretido.
Minutos se passam. Perguntas e respostas completam o vazio do lugar, ocupando nossas mentes, nos fazendo dar risadas. Tudo parece está diferente agora, sem choro ou vozes desesperadas, tudo parece ser normal. Simplesmente ficamos alí, conversando por horas, até que o momento de cada um de nós voltarmos para nossas vidas chegasse.
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Isaac
RomanceVivemos em mundo, onde o preconceito vem à tona, onde a dor precisa ser suportada, para que nos momentos de fraqueza, possamos nos permitir agir de uma forma extremamente agressiva, acorrentado a sensibilidade.