San Antonio, Texas, 1954
Quando Lauren completou dezesseis anos, ainda vivia na casa de Hazel. As moças fizeram uma festa para ela e convidaram muitos dos clientes habituais. Hazel tirou a rolha de um champanhe, que não borbulhou, e o serviu moderadamente em copos descartáveis.
— Para nossa garota favorita — disse ela magnânima, e todos beberam.
Todos concordaram que Lauren parecia tão feliz que chegava a brilhar.
O brilho era porque ela tinha um segredo. E aquele era o seu melhor aniversário. Quando era menina, seus aniversários iam e vinham, como qualquer outro dia. Certa vez, sua mãe se lembrou e prometeu fazer seu hambúrguer especial naquela noite para comemorar, e Lauren poderia ajudá-la com os frascos de temperos especiais, podendo até acrescentar uma pitada aqui e acolá na carne. Mas a senhora Jauregui passara o dia com o marido num bar, e quando chegaram tarde da noite em casa, encontraram-na exatamente onde a deixaram pela manhã, sentada no sofá, pronta para fazer hambúrgueres; eles haviam tido uma briga e a senhora Jauregui já tinha um olho roxo e não estava com vontade de cozinhar.
Ninguém, contudo, decepcionou Lauren neste dia.
E, para variar, nem mesmo Zayn o faria.
As moças tiveram um desjejum especial. Eulalie assara um bolo de chocolate extra com várias camadas e montanhas de morango na cobertura. E um presente fora comprado com um dinheiro arrecadado entre todas as garotas: O Senhor dos Anéis.
Lauren chorou de felicidade. Finalmente encontrara sua família.Os primeiros dias de tristeza e vômitos constantes faziam parte do passado. Ela os empurrara para uma parte escura em sua cabeça onde mantinha coisas desse tipo. Os homens iam e vinham, aqueles que continuavam a usá-la todas as noites. Essa parte, quanto a morar com Hazel, não mudara, mas Lauren tinha aprendido a se distanciar disso. Quando entregava o corpo, resguardava a alma. Eles faziam o que gostavam de fazer fisicamente enquanto ela se protegia numa fantasia. E, na manhã seguinte ao acordar, tudo estaria esquecido e Lauren se juntaria às outras moças.
Eram como irmãs, e ela as amava. Até mesmo Frenchie, a garota negra que, de tão amarga, sempre com um peso nos ombros, era difícil de gostar. Lauren não tinha esquecido a mãe e a promessa de encontrá-la um dia, mas por ora as garotas da casa de Hazel eram a sua família. Eram unidas. Ajudavam-se. Toda vez que uma estava em apuros, todas se juntavam ajudar. Se uma precisava de dinheiro, um montante era arrecadado. Batons e meias de seda eram emprestados livremente. Uma tristeza era partilhada; uma alegria, comemorada. E se alguém perguntasse como um lugar tão medonho e desesperador como o bordel mal cuidado de Hazel podia ter tanta alegria, a própria Hazel teria sido a primeira a admitir que boa parte se devia a Lauren.
Primeiro, Hazel dizia quando perguntada, como alguém poderia se sentir mal consigo próprio quanto uma coisinha tão sem graça quanto Lauren não se importa. O quanto as coisas estivessem ruins para as garotas, o quanto se deprimissem, elas ainda tinham boa aparência — e algumas eram, de fato, lindas. Mas Lauren Jauregui chegara simplezinha e ficava cada vez mais simplezinha a cada ano que se passava. E ainda assim ela não parecia se importar com isso. E essa era a segunda coisa que Hazel dizia que contribuía para a atmosfera amigável do lugar — se Lauren podia aceitar tão bem a própria aparência, bem, então Hazel supunha que uma pessoa poderia aceitar praticamente qualquer coisa que a vida lhe apresentasse.
E Lauren fazia gentileza para as pessoas. Gostava de agradá-las. Por exemplo, cozinhava coisas que ninguém conseguia reproduzir e que as garotas adoravam e até mesmo os clientes estavam comprando. E também ensinou Demetria a ler, o que foi praticamente um milagre, segundo Hazel, se é que tal coisa existia.
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Scorpion
ChickLitUm rosto. Um nome. Um caminho. E apenas uma pergunta: O passado só nos deixa quando nós o deixamos?