Novo México, 1952
A lembrança mais antiga da infância de Lauren era dela mesma acordando no meio da noite e ouvindo a mãe gritar. Lembrava-se de ter saído do berço — devia usar fraldas ainda — e caminhar pelo corredor até o outro quarto. A porta estava entreaberta. Ela sabia que mamãe e papai estavam lá. Ela se lembrava de ter visto a mãe, nua, de quatro na cama, e o pai atrás dela, empurrando, com o que parecia ser a barriga, enquanto a mãe chorava e implorava para que ele parasse.
Foi só quando tinha catorze anos que Lauren aprendeu o que eles estiveram fazendo naquela noite.
Dois mistérios cercavam o nascimento de Lauren Jauregui. Ela desconhecia a existência deles até um dia escaldante quando tinha dez anos de idade e, tendo sido deixada sozinha no trailer porque os pais tinham ido à taberna local na estrada, Lauren se viu entediada.
O tédio leva ao desassossego, e o desassossego pode gerar curiosidade, que, por sua vez, leva a descobertas. As vezes, descobertas indesejáveis. Como no caso da velha caixa de charutos King Edward, que Lauren encontrou escondida debaixo da pia, atrás de produtos de limpeza e trapos.
Aos dez anos, Lauren era uma criança precoce — não tinha muita educação formal (seu pai aventureiro e desempregado cuidou para que isso acontecesse), porém era inteligente. Ela lia coisas além da sua faixa etária — uma habilidade aprendida na solidão e no desespero de escapar de uma vida esquálida na fantasia da vida nos livros — e tinha um olhar aguçado. Em um relance percebeu que a caixa de charutos não tinha sido colocada no fundo embolorado por obra do acaso, mas parou ali por intermédio de uma mão atenta. Obviamente, na mente muito criativa de Lauren, aquela era a caixa de um tesouro.
Abriu-a.
Em meio a um amontoado de fitas, cartões de aniversário desbotados, um anel e tíquetes de entradas de cinema, havia dois itens que deixaram a menina perplexa. O primeiro era uma fotografia; o segundo um documento com jeito de ser oficial.
Sendo capaz de ler tão bem, ela descobriu em segundos que o documento era uma certidão de casamento. Os nomes dos pais estavam impressos ali, e havia uma cidade listada sobre a qual Lauren nunca tinha ouvido falar: Bakersfield, Califórnia. A data, porém, a fez refletir.
A certidão dizia que a mãe e o pai tinham se casado em 14 de julho de 1940.
No entanto, Lauren sabia que tinha nascido em 1938.
Tinha dois anos quando eles se casaram. Isso só podia significar uma coisa: ele não era seu pai verdadeiro!
Isso a alegrou tanto que ela não deu a devida atenção à foto, se tivesse, poderia, em sua sabedoria juvenil, ter notado a semelhança perturbadora da jovem de olhar cansado no leito hospitalar com um recém-nascido em cada braço.
Só mais tarde, naquela mesma noite, ela começou a pensar na fotografia — enquanto permanecia perfeitamente imóvel debaixo das cobertas no sofá, onde ela dormia no trailer, à espera que o pai passasse a roncar (ela sempre tentava ser o mais invisível possível toda vez que ele estava por perto, ainda mais quando estava embriagado).
E foi então que entendeu.
Embora parecesse muito mais jovem, a mulher era a mãe de Lauren.
Mas quem eram os bebês?
Bem depois da meia-noite, quando o trailer de metal esfriou e o deserto tornou-se silencioso, Lauren saiu da cama, segurou a lanterna que era usada quando a eletricidade era cortada — o que era frequente — e pegou a caixa de charutos, que havia recolocado no mesmo lugar onde a havia encontrado na primeira vez. Avaliou os bebês da foto. Um deles se parecia com a foto dela mesma, que a mãe sempre mantinha na carteira.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Scorpion
ChickLitUm rosto. Um nome. Um caminho. E apenas uma pergunta: O passado só nos deixa quando nós o deixamos?