Hollywood, Califórnia: 1957
Já fazia três anos que Lauren vivia como Luna Maaujre, trabalhando na Eddie's Royal Burgers e morando na pensão respeitável na Cherokee, antes de perceber que, a fim de ter uma vida nova, não bastava apenas trocar de nome. Ela teria de mudar o rosto também.
Não que alguns dos seus novos amigos, em palavras ou ações, a lembrassem de sua aparência simplória. Eles enxergavam através do infeliz arranjo da carne e dos ossos e viam o espírito gentil de uma garota pacata que certa noite aparecera do nada, e que lhes era leal desde então, que não conversava muito, e cujo passado era um mistério e quem, acima de tudo, em três poucos anos, transformou a lanchonete de Eddie em um sucesso.
No dia em que Luna apareceu para trabalhar, há três anos, para limpar o chão, lavar pratos e esfregar panelas, Eddie lhe ofereceu uma refeição grátis, e ela o surpreendeu dizendo baixinho:
— Este hambúrguer não é muito bom.
Ele ainda não estava acostumado com a sua honestidade — não estava acostumado à honestidade de ninguém —, por isso respondeu indignado:
— Se não gosta da minha comida, pode comer em qualquer outro lugar.
Mas em vez de se desculpar ou manter o bico fechado, a garota insistiu em dizer suavemente:
— Sei do que o seu hambúrguer precisa.
E teve a audácia de se levantar do balcão, entrar na cozinha e pegar a sua carne preparada da geladeira e mexer nela. Eddie era um misto de fúria e disposição para dispensá-la imediatamente, mas também estava curioso quando viu a mão dela voar para a grade de temperos, pegando latas e jarros, com os dedos trabalhando destramente, o rosto em concentração. Dez minutos mais tarde, quando ele mordia o hambúrguer melhorado, suas papilas gustativas lhe disseram que aquele era o seu dia de sorte. Ele usava carne moída de segunda, mas os temperos da menina a tornavam um filé de primeira, e, em seguida, quando Luna também lhe ensinou o segredo de acrescentar jalapenos picados nas fritas, o resto ficou no passado.
Eddie ofereceu os novos hambúrgueres aos policiais, às prostitutas e aos atores desempregados que eram seus fregueses habituais, e recebeu críticas maravilhosas. Então, seguindo a sugestão de Luna, ele reduziu dez centavos em cada porção, sumiu com os pratos, envolvendo os hambúrgueres em papel manteiga, e a reação dos fregueses foi fenomenal. A novidade correu de boca em boca e as pessoas começaram a aparecer. Em pouco tempo, não só o povo local se deliciava com os Royal Burgers, na lanchonete simples e sem atrativos, como as pessoas vinham de Santa Monica, Pasadena e mesmo da vizinha Beverly Hillspara ver o que era todo aquele alvoroço. Então, Eddie teve a idéia de criar uma janela para quem estava de passagem, e logo incrementaram os negócios. As pessoas passavam dirigindo, compravam o Royal Burger em saquinhos, e saíam para as praias, montanhas ou o deserto para saboreá-lo. A novidade se espalhou.
Por isso, Eddie estava expandindo a lanchonete para o terreno do vizinho, tendo adquirido o seu ponto, e estava pensando em abrir uma filial na cidade em franca expansão no Vale de San Fernando.
Ele devia tudo isso a Luna Maaujre. Mas ela não capitalizava os seus elogios como qualquer outra garota faria, exigindo dinheiro ou crédito pelo seu sucesso. Ela simplesmente lhe disse que ficava contente, com seus modos enlouquecedoramente reservados, sem sorrir, porém sempre sincera ao dizer que estava feliz por ele. E ainda que Eddie sempre imaginasse sobre a vida e o passado dela, sobre o qual ela se recusava a discutir, sobre o silêncio em que ela parecia viver, sobre a sua reserva e o fato de ela nunca aceitar os convites para jantar com ele e Laverne, e do modo como evitava fazer amigos, a maneira como nunca deixava que a tocassem — e, embora estivesse curioso quanto ao seu nome, que era o mesmo do cruzamento diante da sua lanchonete —, ele jamais a pressionou. Ela era pacata, trabalhadora, leal e nunca, naqueles três anos, faltara um dia sequer de trabalho ou lhe fez qualquer tipo de exigência. Não havia nada, absolutamente nada que ele não fizesse por ela.
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Scorpion
Chick-LitUm rosto. Um nome. Um caminho. E apenas uma pergunta: O passado só nos deixa quando nós o deixamos?