San Antonio, Texas, 1952
— Está vendo? — perguntou Demetria, segurando um pedaço de papel para que Lauren olhasse. — É assim que você transforma oito oitos, em mil. É bem simples. Quando você escreve os números descendo assim, eles não significam nada. Mas quando escreve deste modo — ela apontou com o lápis curto mordido — cinco oitos nesta coluna, depois dois, depois um... Eles somam mil.
Lauren olhou para o pedaço de papel rasgado de um bloquinho de uma lojinha de artigos baratos, e sorriu de leve.
— Ah, pobrezinha... — Demetria disse, deixando de lado o lápis e o papel, para passar o braço ao redor da amiga. — Não se preocupe. Ele vai estar aqui dessa vez. Sei disso. Pois é, tive esse sonho ontem à noite.
Mas Lauren se desvencilhou do braço da amiga e foi para junto da janela, que estava tão suja que mal se enxergava o lado de fora. Só via os carros na rua da frente. Procurava o Ford de Zayn subindo a rua...
Fizera aquilo por quatro terças-feiras seguidas. Fazia todo esse tempo desde que Zayn a levara para a casa de Hazel
— Por que ele não vem, Demetria? Por que nem telefona? É como se tivesse se esquecido de mim!
A garota mexicana observava a colega de quarto com olhos tristonhos.
No mês em que estavam dividindo o quarto as duas se tornaram boas amigas — por serem as mais novas da casa, já que Demetria acabara de completar quinze anos, e por também viverem na esperança de que os homens que amavam as levassem dali. Ela já não via Wilmer há quatro meses. Mas ela sabia que ele não a havia esquecido e que ainda estava em San Antonio. Ele buscava o pagamento dela com Hazel regularmente.
— Não sei, amiga. Eles ficam ocupados, sabe? Os homens. Eles têm coisas a fazer. Ei, quem sabe ele não apareceu quando você estava com um cliente?
A garota continuava a olhar pela janela desesperançada. Estava magra demais. Se Hazel tinha reclamado da sua magreza semanas atrás, agora a menina parecia prestes a desaparecer. Não que isso atrapalhasse os negócios.
Lauren descobrira que alguns homens gostavam de garotas assim. Os braços e pernas finos e os joelhos ossudos a faziam parecer mais jovem do que os seus catorze anos. Motivo pelo qual Hazel insistia para que fizesse duas tranças e proibia o uso de batom.
Se ele não aparecer hoje, resolveu, eu me mato.
— Olhe aqui — Demetria a chamou, pegando o bloco e virando a página. — Esse aqui você vai achar divertido. Lauren olhou para o bloquinho enquanto a mão castanha da amiga escrevia números na página. Sabia o que Demetria tentava fazer: distraí-la para que parasse de pensar em Zayn. Lauren sabia que Demetria entendia a dor e o sofrimento que ela sentia; era uma dor que elas partilhavam. Em um mundo que parecia não ter serventia para elas, as duas meninas rejeitadas maneiras de confortar uma a outra.
Para Demetria, Lauren descobriu surpresa naquele primeiro dia há um mês, eram os números.
Lauren desceu à cozinha na primeira manhã e encontrou Demetria sentada à mesa com diversas outras garotas, em roupões ou somente com a roupa de baixo, de pé ao redor dela. Lauren se juntou a elas para ver o que a colega de quarto fazia, e se surpreendeu, como o resto delas, ao ver Demetria fazendo truques mágicos com números.
— Acho que nasci assim, sabe? — Demetria explicou a Lauren mais tarde enquanto comiam bolinhos com melaço. — Minha tia, com quem eu morava, disse que eu brincava com números enquanto as outras meninas brincavam de boneca. É uma coisa que fica na minha cabeça, entende? Vejo os números na minha cabeça. Sinto-os. Sei lá, mas conheço os números e sei o que eles fazem.
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Scorpion
ChickLitUm rosto. Um nome. Um caminho. E apenas uma pergunta: O passado só nos deixa quando nós o deixamos?