El Paso, Oeste do Texas, 1952
Lauren fitou o prato de doces, morrendo de fome. Pelo que conseguia ver através do vidro, eram do tipo glaceado, alguns polvilhados com açúcar, outros cobertos com chocolate e nozes, manteiga e, seus favoritos, aqueles redondos açucarados e recheados com geleia de frutas vermelhas. Já fazia dois dias que estava em El Paso e não comia nada desde que desceu do ônibus. Se não fosse pelo fato de alguém ter lhe roubado a bolsa, ela não só estaria comendo agora, como estaria no ônibus certo, indo na direção correta: Califórnia.
Mas estava sem dinheiro e completamente sozinha em uma cidade desconhecida, cansada, com fome e suja, sem a menor idéia do que fazer em seguida.
Pelo canto do olho, viu o homem atrás do balcão. Ele fritava e servia grandes porções de feijões fritos. No último lugar em que tinha tentado passar a noite, o proprietário a expulsou de lá, jogando-a no meio da rua. Mas aquela era uma cidade fronteiriça do Texas; do outro lado do Rio Grande estava o México, um lugar perigoso para uma garota de catorze anos, sozinha.
Lauren procurou permanecer em movimento durante o dia, indo a bazares mexicanos, onde os turistas compravam a tequila Jose Cuervo e flores de papel, desejando ter alguns pesos para comprar tortillas e feijões; e também foi a igrejas católicas, onde as mulheres mexicanas e indígenas rezavam com seus xales negros sobre as cabeças. Já era noite e os turistas estavam seguros em seus hotéis, e Lauren tentava ficar o mais invisível possível no bar esfumaçado, desejando que a deixassem em paz, sentada na mesa a noite inteira, protegida do vento frio, lendo o seu livro. Mesmo sem ter pedido nada para comer. Nem mesmo uma xícara de café.Jamais passaria pela cabeça de Lauren pedir comida sem ter como pagar, deixando para sofrer as consequências depois. Sua honestidade inata a impedia de fazer isso.
Era meia-noite, e o bar barulhento parecia ser o ponto de encontro dos insones. A maioria deles parecia desesperada e de mau gosto, motivo que fazia Lauren se encolher tentando passar despercebida, encurvada atrás de uma palmeira de plástico, o rosto afundado entre os punhos cerrados, os olhos fixos nas páginas do livro. Estava chegando ao fim de As Crônicas Marcianas, estava na última história "O piquenique de um milhão de anos" e, depois dela, não teria nem mesmo o livro como consolo.
Pensou na mãe. Lauren havia chorado no ônibus, já longe de Albuquerque, e diversas vezes considerou descer do ônibus e voltar. Mas sabia que a mãe estava certa. Ele fez aquilo uma vez com ela. Não havia motivo para que não voltasse a fazer.
Se ao menos não tivesse subido no ônibus errado! Mas Lauren esteve desconsolada, chorando o tempo inteiro, e só quando chegaram a El Paso, no Texas, que ela percebeu seu erro. Devia estar indo para a Califórnia! E então ela desceu do ônibus para comer alguma coisa, só para descobrir que sua bolsa tinha sumido. Perdera todo o seu dinheiro, e o endereço da mulher dona do salão de beleza em Bakersfield! Não tinha sequer dez centavos para ligar para a mãe.
Levantou o olhar e viu que um homem estranho a observava do balcão do bar. Ele vestia uma jaqueta de couro e tinha marcas de catapora no rosto. E ela não gostou de como ele a olhava.
Lauren tentou se concentrar no livro. Ray Bradbury tinha escrito: "Mamãe estava relaxada no sofá, com o cabelo dourado trançado sobre a cabeça como em uma tiara...". E Lauren começou a chorar.
— Ei, garota. O que foi?
Assustada, levantou a cabeça. O homem da jaqueta de couro estava ao seu lado, olhando a cobiçosamente de cima para baixo. Lauren logo se sentiu pequena e indefesa.
— O que você está fazendo fora de casa tão tarde, garota? — disse ele, sorrindo. — Quer companhia?
Ela refreou as lágrimas.
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Scorpion
Literatura FemininaUm rosto. Um nome. Um caminho. E apenas uma pergunta: O passado só nos deixa quando nós o deixamos?