Pièces d'Éternelle Chronique [5]

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Ele reiterava, com a obstinação própria dos que se alimentam de reminiscências esmaecidas, as mesmas estórias estivais — aqueles relatos impregnados de luz oblíqua e poeira solar — como se, ao adulterar-lhes um ínfimo detalhe a cada narrativa, pudesse instaurar em mim uma étincelle, por menor que fosse, de suposta novidade. Eu, porém, quedava-me incapaz de acreditar no espetáculo que se desdobrava diante de meus olhos atônitos. Cambaleei, trespassada por um desnorteio que ressoava como vento surdo em claustro antigo; enfim, sentei-me no chão, junto à cama, como quem roga por uma revelação tardia, e implorei-lhe que repetisse, encore une fois, por uma hora ininterrupta, a ladainha de sua memória fatigada.

Dessa vez cerrei os olhos não para falar, mas para ouvir — ouvir com a inteira nudez da atenção, como se auscultasse o rumor subterrâneo de uma cidade morta. E talvez este fosse o mais ousado gesto de rebeldia que jamais cometi: entregar-me ao silêncio e renunciar à réplica. Caso fosse digna, pensava eu, a resposta viria. E veio. Sim, veio — mas não na forma que eu desejava. Essa dissonância, por si só, desfazia qualquer fronteira nítida entre culpa e inocência; assim, permanecia-me evidente que, à sombra das aparências, eu não poderia discernir se o erro era dele, ou se, mais infamemente, residia em mim.

Chamava-me “filha” com uma insistência quase litúrgica, e eu, dócil em minha própria desordem, respondia-lhe sempre com outras ligações, inéditas, vibrantes, infinitas. Adormecia ao telefone em posições tão improváveis que, ao amanhecer, acompanhava-me uma dor muscular simbólica, quasi sacramentelle, que plantava em meu peito um arrependimento úmido. E ainda assim, sonhava, um dia, voar sozinha. Daquele hábito de vigílias insônia-bornas nasciam memórias indeléveis, que, quando traçadas sobre o papel ensopeado — comme des aquarelles mélancoliques — tornavam-se eternas.

Tomei para mim o labor de recolher, um a um, os fragmentos quebrantados de meu tenro coração — ousaria chamá-los cacos vítreos, pois quanto mais insistia em reuni-los, mais me feriam. Escorriam ao lamaçal e se desfaziam como purpurina húmida, prismática, desolada. E, malgré cela, ele não me quis. Nesse instante, eu era frágil, maleável, vulnerável como argila recém-amassada entre mãos desconhecidas.

O poder, paradoxalmente, residia em minha aparência insólita. Eu lembrava um bloco cúbico de mármore grego: perfeito aos olhos do escultor, porém inteiramente oco por dentro. E havia uma razão para tal. Eu apenas não aprendera, ainda, a procurar. A responsabilidade era Dele — sim, Dele — ensinar-me a ver. Pois, ó Pai, lançaste-me ao mundo sem conceder-me a bênção ancestral de enxergá-lo tal qual é: vasto, incompleto, e repleto de sombras que não se deve temer.

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