CAPÍTULO UM

1.4K 42 32
                                    

Naquela manhã, acordei me sentindo estranhando normal. Meu reflexo no espelho revelava uma garota que parecia isenta de qualquer sentimento. Nada, nadinha. Quanto mais me encarava, mais vazia eu parecia ficar. Soltei o ar com força e voltei para meu quarto. O relógio digital em cima do criado mudo ainda marcava 5:34 da manhã. Me joguei em minha cama e voltei o encarar o teto. Era terrível. Eu não devia me sentir normal justo hoje! Justo no dia em que minha vida inteira estava prestes a mudar completamente. Tentei pensar em todas as coisas maravilhosas que encontraria em Londres, mas nem isso foi capaz de me fazer sentir alguma coisinha. Cansada de tentar enrolar para que a hora passasse mais depressa, levantei devagar, procurando não fazer barulho ao caminhar pelo chão velho de madeira, e nem tropeçar nas malas espalhadas pelo quarto. Caminhei até a janela e abri a cortina pesada, cor de mostarda. O céu ainda estava escuro e algumas estrelas perdidas ainda brilhavam. Definitivamente era cedo demais para estar acordada, tendo uma pseudo crise existencial. Pensei em voltar para cama e me obrigar a dormir mais, mas resolvi adiantar algumas coisas que teria que fazer pela manhã, com o objetivo que conseguir mais tempo para me despedir das pessoas antes de viajar - ou melhor dizendo, antes de me mudar. 

Peguei a roupa que havia separado noite passada e voltei para o banheiro, dessa vez ignorando o espelho. Tomei um banho quente e demorado, e deixei minha mente ser invadida por todos meus medos e inseguranças. Eu conseguiria viver em Londres? E minha mãe? E Jess? Será que essa nova família seria boa? Será que iriam gostar de mim? E se eu não me adaptasse? E se eu não fosse capaz? Deixei a água escorrer por meu corpo e lavar todos os pensamentos ruins, decidida a sair do banho renovada. Não era hora para surtar e ser negativa. Saí do chuveiro e me vesti depressa, voltando para o quarto que agora era iluminado por alguns raios de sol que venciam a barreira criada pela cortina meio aberta. Arrumei minha cama, pensando que essa era a última vez que fazia isso, e comecei a me sentir menos normal, e mais ansiosa. Coloquei na mala o que ainda faltava, e dei uma última olhada em tudo, me certificando que não iria esquecer de nada. Terminando, abri a porta devagar, em uma esperança tola de que esta não me denunciasse, mas foi inútil. A porta velha e barulhenta rangeu, fazendo um barulho alto e irritante, e logo em seguida a porta da frente estava sendo aberta. 

Lista de coisas a fazer: 

1. Quando voltar de Londres, trocar a porta do quarto por uma mais silenciosa. 

― O que houve? Caiu da cama? ― Minha mãe perguntou, coçando os olhos e dando um longo bocejo em seguida. 

― Na verdade já são quase nove horas, nem é tão cedo assim, mãe. 

― Hoje é sábado, Anne. Você devia estar... ― Ela se interrompeu, parando de falar e abrindo seus olhos ainda semi-cerrados violentamente ― É hoje. 

― Sim, senhora Hallward. É hoje. 

Hoje era o grande e tão esperado dia - não por eu estar me sentindo normal, longe disso - em que eu me mudaria para Londres, a cidade dos meus sonhos. Apesar de nunca ter concordado totalmente, minha mãe acabou tendo que ceder quando eu a convenci de que não havia uma faculdade boa no fim de mundo onde morávamos. St. Brokklin, três mil e quatrocentos habitantes. Casas pequenas de madeira, com cerquinhas brancas e jardins nas calçadas. Como Jess e eu costumávamos dizer, a cidade parecia ter parado no tempo. De qualquer modo, minha mãe só acreditou que eu estava realmente falando sério sobre me mudar quando finalmente fui aceita em um programa de intercâmbio. Em um mês, estava tudo resolvido. Tinha onde viver em Londres, estava matriculada na faculdade, e com as passagens de avião em mãos. Era quase como se meus sonhos tivessem se tornado realidade sem que eu tivesse me dado conta disso. Ainda que a ideia de deixar minha mãe para trás, a quem eu era absurdamente apegada, me dava medo, mas eu precisava disso, e também seria bom para ela. Ou pelo menos eu achava que seria. Tá legal! Na verdade essa era apenas uma das inúmeras desculpas para tentar me convencer que estava tudo bem em abandonar tudo e ir para Londres. 

Thinking Of YouOnde histórias criam vida. Descubra agora