Distrito

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- Eu sabia! - Diz a garota de longos cabelos dourados sentada de qualquer jeito no sofá de couro - Eu disse que o Vitae tinha outras intenções com esse menino. Eu sempre estou certa, Lex. Suporte isso.

Tinha passado pouco menos de vinte minutos no transito até chegar na casa de sua irmã. Alexander levou Charlie, que ainda dormia profundamente, para a cama de Clarisse no segundo andar e depois voltou para a sala de estar. Contou para ela, com o máximo de detalhes que pôde lembrar, todo o que aconteceu na Torre Sede de Laboratórios, desde o seu confinamento até o "Teste Final", seguido pela fuga com a ajuda de Maria King.

- Ah, obrigado pela preocupação - Ele retruca num tom sarcástico - Eu quase ia matando um garoto inocente, sobrevivi a uma explosão e você se preocupa se está certa ou não. Muito lindo da sua parte.

- Desculpe, querido - Ela então percebe o real motivo do tom de voz de seu irmão - Estou muito feliz que tenham conseguido escapar daquele louco. Mas, e agora? Qual é o plano? Continuar fugindo para sempre? Porque se Vitae sobreviver ao incidente, vai voltar a caçar vocês.

O loiro joga sua visão para os próprios pés e assente com a cabeça.

- É, eu sei - Fita os olhos da garota - Mas, se ele vier, irei proteger Charlie a todo custo. Assim como o prometi.

Então a atenção dos dois é capturada pelo chamado do jornal televisivo. Todas as notícia daquela manhã foram voltadas para o acidente na área mais importante da Torre.

- Bom dia, senhoras e senhores - A voz da jornalista era forte e séria. Determinada - Estamos aqui na entrada da Torre Sede de Laboratórios, fazendo a cobertura completa do incidente na A42n, principal andar da Torre, voltada exclusivamente ao Projeto Lune, liderado pelo Dr. Vitae. Acabamos de receber a confirmação do número de mortos e acidentados. Theodore Vitae passa bem, aparentando como se nada tivesse acontecido. Provavelmente não estava na área no exato momento do ocorrido. Apenas alega que "o Projeto Lune está na fase final e que a humanidade está a um passo da próxima evolução". Estas foram suas palavras finais. Voltamos a qualquer momento com mais informações.

- Parece que o diabo nunca morre - Clarisse fala diante a TV.

Alexander pensa um pouco sobre uma das frases que ouviu. Sua mente tenta recriar a memória por completo.

- Theodore estava lá sim - Ele finalmente conclui - Ele era quem estava mais próximo ao portal antes de tudo desmoronar. Como pôde não ter morrido?

"Isso não faz sentido".

- Você devia levar Charlie para o Distrito Florence - A garota tira a atenção dos pensamentos de seu irmão mais novo - Lá é um lugar distante e mais seguro que Portland. É uma cidade pequena com um lindo e abandonado farol na praia. Acho que aquele lugar é bom o bastante para passar algumas noites. Para ganhar tempo, sabe?

- Hm... - Ele pensa um pouco a respeito. Em todas as possibilidades que os envolvia - Boa ideia.

O garoto se levanta do sofá de couro vermelho e vai em direção à mesa de centro, pegando a chave da velha Betty, a belina da casa dos pais adotivos de Charlie.

- Ei, ei, ei - Clarisse se levanta do assento de onde estava, chamando a atenção do garoto - Aonde pensa que vai, querido?

- Ligar o carro - Ele responde sem entender muito bem o que a garota a sua frente quis dizer.

- Não - Usa um tom mais leve - Se forem pelo metrô, podem despistá-los mais facilmente do que sozinhos de carro. A viagem é um pouco demorada, porém mais segura.

Depois de meia hora, Grace acorda Charlie, que estava deitado no quarto da irmã. Em seguida, se arrumam e vão direto para o subterrâneo do metrô. Fazem exatamente o que Clarisse os manda fazer. Compram duas passagens para o distrito Florence e passam pelas catracas do metrô, esperando que o transporte chegasse. Assim que ele chega, eles não hesitam em entrar e sentam um do lado do outro. Após alguns minutos de viagem, Charlie tomba no corpo de Alex, dormindo. A viagem dura cinco horas e vinte minutos. Quando Alexander quase cai no sono, a viagem acaba.

Saem e se dirigem até o ponto de táxi mais próximo, seguindo para o farol da cidade quando o automóvel chega. Ao saírem após pagarem o motorista, Charlie pousa o olhar num marcador e dá conta de que já eram meio dia e vinte, aproximadamente.

- Então... você está bem? - Alexander fala para Charlie, estreitando as mãos no seu ombro - Digo em...

- Estou - Responde ríspido. Mas logo retoma o tom de voz calmo e relutante - Obrigado...

Um momento constrangedor de silêncio engole o ar.

- Charlie, desculpa - O garoto olha diretamente nos olhos coloridos de Rain para responder - Eu sei que eu fiz muita besteira. Principalmente porque traí a sua confiança. Também sei que não tem nada nesse mundo que te faça me perdoar. Sei que não mereço o seu perdão. Mas, quando te vi preso naquela caixa de vidro, eu senti uma ira por Theodore. Nunca mais vou cometer o erro que cometi com você.

Charlie sorri de lado e desvia o olhar. Alex fica feliz por ter conseguido arrancar uma risada do rosto abatido de Charlie mesmo depois de tudo. Eles vão em direção ao penhasco onde o farol se encontra. Alex começa a arrumar os pertences de ambos no andar em que estava, perambulando por aí. Charlie sobe as escadas até chegar no segundo andar do farol e se aproxima da enorme janela. Rain afunda a mão no bolso do moletom, pensativo. Repousa o olhar no horizonte, focando no mar logo a frente. Ele saca o caco de vidro e o aponta para seu pulso esquerdo. Antes de fazer qualquer coisa, ele fecha os olhos e respira.

Seu braço desce lentamente e, com ele, o caco de vidro pelo seu pulso. A sua pele é cortada aos poucos, deixando escorrer um pouco de sangue até que Grace aparecesse numa fração de segundos antes que Charlie pudesse exercer uma força maior no corte, impedindo-o de concretizar a auto mutilação.

- Não acredito que você fez isso! - Alex segura fortemente o pulso de Charlie e joga o caco de vidro longe pela janela, fazendo pressão no ferimento para evitar um sangramento pior - Charlie... por quê?

Grace aproxima as mãos de Rain de seu peitoral e as encosta lá, olhando firme para seu rosto.

- Me promete que nunca mais fará isso - Sua voz chama a atenção do menor, encarando-o - Não sei o motivo, mas não faça novamente. Nunca mais.

Charlie sorri abertamente dessa vez.

Sua vida foi salva. De novo.

Mesmo depois de tudo o que aconteceu algumas horas atrás, sabia que podia confiar naquele garoto. Sim, foi levado para um experimento letal com a ajuda dele, mas foi Alex quem o ajudou a fugir. E agora, estavam a salvo. Juntos.

O maior desejo de Alexander naquele momento era poder ler esses pensamentos da mente confusa do garoto pálido.



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