DEZ

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- Mas eu quero pintar de azul.
- E se for menina? - devolveu o mais velho, irritado.
- E só por que ela é menina, ela não pode dormir num quarto azul? Que sexismo é esse?
Se todos os meus dias fossem assim, eu realmente preferia voltar a morar sozinha.
Coloquei a chave ao lado da porta e tirei o casaco, pendurando-o no mesmo lugar de sempre. Os dois nem sequer me escutaram chegar, mais concentrados em sua nova briga.
Há uma semana, eu tinha que apartar uma briga diferente a cada sete minutos. Isto é, se eu estivesse em casa. Tinha medo de saber o que acontecia na minha ausência.
- Minha Morgan não dorme num quarto azul.
- Viu? Você vai dar um nome unissex pra minha filha e não quer que ela durma num quarto azul?
Eu respirei fundo, me preparando para mais um dia naquele apartamento. Vendo pelo lado positivo, pelo menos os dois concordavam em uma coisa: queriam que fosse uma menina.
Do resto, aquilo era um verdadeiro caos.
Naquela manhã, eu achara até mesmo que tinha acordado no meio da terceira guerra mundial. Os vizinhos decidiram começar as suas brigas mais cedo, se jogando contra a parede e Liam e Zayn estavam discutindo aos gritos sussurrados na cozinha sobre o que deveria ser o meu café da manhã.
Maldita hora em que eu deixara que os dois viessem morar comigo.
No dia da mudança, a briga começara com os cosméticos de Zayn. Ele trouxera duas malas cheias de roupas e acessórios e uma mala só com os seus cosméticos, usando todas as prateleiras do banheiro, que já era pequeno, para colocá-los. Não deixando espaço algum para Liam colocar os seus aparatos para barbear. Primeira confusão do dia.
E então veio a mais importante delas: a cama.
O apartamento não era grande e não havia espaço para três camas. A minha cama de casal no quarto já ficava apertada, mal dando para abrir o armário. Como poderíamos os três dormir naquele apartamento?
- Simples. - Zayn respondeu assim que eu verbalizei a minha preocupação. - Eu durmo com você e o Liam dorme no sofá.
Entrei na frente dos dois antes que Liam fosse capaz de acertar seu punho no rosto de Zayn, o que era claro que ele estava planejando fazer.
- Ou você pode dormir no sofá, afinal, o namorado dela sou eu.
- Ex. - Zayn lembrou com a voz doce.
Por que eu tinha me metido naquela confusão?
- Eu tenho um colchonete. Um dorme no sofá e o outro no colchonete. E eu dormirei na cama. - os dois olharam para mim com incredulidade e eu completei, apenas para reforçar - Sozinha.
- Mas...
E então começou uma série sem fim de motivos absurdos sobre porque eu não deveria dormir sozinha. Eu já sabia me cuidar antes de conhecer qualquer um deles. Porque tinha de ser pajeada como uma criança agora?
- Você precisa de carinho à noite.
- Carinho de um homem de verdade. Meu carinho. - rebateu Liam e eu parei os dois com um grito, fazendo-os prestar atenção em mim.
- Os dois vão dormir na sala e se eu ouvir mais algum som de qualquer um de vocês, vão embora dessa casa imediatamente, estão entendendo?
Talvez eu estivesse muito ameaçadora com todos esses hormônio de grávida, já que os dois se calaram e deixaram que eu colocasse cobertores e travesseiros em suas mãos para que se instalassem na sala, e fiz questão de trancar a porta do meu quarto, impedindo que qualquer um dos dois pudesse tentar alguma investida para me convencer melhor a escolher entre um deles. Como eles estavam fazendo.
Beijos, abraços, carinhos na cabeça. Tudo era uma forma de me mostrar que um era melhor que o outro. Mais carinhoso, mais presente, mais legal. Como se aquelas demonstrações fossem o suficiente para me fazer decidir entre um deles quando na verdade me deixavam ainda mais confusa.
As suas brigas me deixavam sem reação. Eles usavam argumentos muito bons que me deixavam com a pulga atrás da orelha e que aumentavam a minha confusão. Era como se jogássemos um jogo onde a cada passo que eu dava na direção de um deles, o outro executava uma ação que me fazia voltar e ir para mais perto deste.
E eu estava cansada disso.
Minhas noites eram sempre insones, escutando os sussurros gritados dos dois, brigando por um direito de pai que ambos tinham certeza que pertenciam a eles, mas que nem eu mesma sabia de quem ele realmente era.
- Eu irei amar essa criança ainda que ela não seja minha, Liam. Porque eu amo Mandy e amo qualquer coisa que seja relacionada a ela. Eu sinto muito que tenha acontecido tudo isso para que nós pudéssemos ver o quanto ela é importante para nós e sinto mais ainda em brigar com você, meu melhor amigo, mas eu não posso desistir da melhor coisa que me aconteceu. Não posso desistir de Mandy .
Apoiei minha cabeça na porta trancada de meu quarto quando escutei aquelas palavras. As madrugadas eram reveladoras demais. Eram naqueles momentos que eu dava os passos que sempre voltavam atrás. Não eram os carinhos ou fofos presentes que eles traziam para casa que me convenciam. Eram as suas palavras. A força com que eles pareciam decididos a amar a vida dentro de mim ainda que não fosse seu pai de verdade. Era esse amor incondicional que me dava as direções e que atavam ainda mais os nós da minha cabeça.
- Eu aprendi a lição, Zayn. Nunca mais irei deixar Mandy de lado, nunca mais vou descuidar de um só segundo. Ainda me lembro o quanto doeu perdê-la e como está me machucando ter que ver a dúvida nos olhos dela. Mas não pararei de lutar. - ele estava firme e eu podia sentir que aquilo era uma promessa.
- Ótimo. Porque eu também não pararei até que ela seja minha. Como tem de ser.
As lágrimas inundaram meus olhos enquanto eu voltava a me deitar. O que eu tinha feito? As coisas estavam cada vez mais fora de controle e eu sentia o meu coração bater em duas direções diferentes. Eu havia acabado com uma amizade e instaurado uma luta sem sentido porque eu era uma traidora.
- Azul claro é unissex.
- Azul claro é feio. - fechei os olhos, irritada e da mesma forma que entrei no apartamento, eu saí. Sem que os dois sequer notassem, já que estavam mais interessados em continuar com a briga para pintar um cômodo da casa que nem sequer existia, dando nomes para uma criança que nem sequer sabiam se eram os pais.
Eu estava cansada daquilo. Todos os dias eu tinha que separar brigas, colocar panos quentes, dar desculpas e me meter em discussões que não tinham o menor sentido. Todos os segundos eu me arrependia por ter causado tudo aquilo e por não conseguir dar um fim para aquela situação. Como um incêndio, aquilo só iria aumentar de proporção, causar mais e mais estragos, até que ficasse irreparável.
Aquilo não estava me ajudando a decidir em nada o que eu iria fazer. Pelo contrário, só me fazia ter mais certeza de que eu queria ficar sozinha. Aquelas brigas acabavam comigo. Os dois me confundiam, me faziam querer a ambos em um momento, depois apenas um e no momento seguinte me forçavam a desejar ficar sozinha em um lugar que os dois jamais poderiam me encontrar.
E toda vez que eu me sentia confusa daquela forma só existia uma pessoa que poderia me ajudar a esclarecer a minha mente. Um táxi parou ao meu lado e eu forneci o endereço que conhecia de cor, com a cabeça cheia de pensamentos conflitantes que só teriam paz assim que eu estivesse sentada no sofá de Louis, contando a ele todas as minhas dúvidas e preocupações para que ele me ajudasse a esclarecê-las, a me dar uma luz e um caminho para seguir.
Bati na porta de seu apartamento e escutei a sua voz fina me pedir para entrar. O porteiro já havia me anunciado e não foi surpresa nenhuma para mim encontrar Harry ali também.
Meu melhor amigo me abraçou e me fez sentar no sofá, como eu sabia que ele faria, me permitindo começar a contar os meus dilemas que pareciam, a cada segundo, mais insolúveis.
- Toma, vai ajudar.
Harry colocou um copo de whisky em minhas mãos e eu o olhei interrogativamente. Eu estava grávida, não podia beber. Ele insistiu, deixando o copo em minhas mãos. Talvez só um golezinho não me faria tão mal, faria?
Engoli a bebida que pareceu queimar a minha garganta e comecei o meu relato.
- Eles são insuportáveis. Eles brigam o dia inteiro, discutem, se xingam, concordam em raríssimas coisas e parecem empenhados em fazer da minha vida um paraíso. Mas está tudo tendo o efeito contrário. Eu não gosto disso, Louis. Não queria que as coisas fossem assim.
- Talvez você devesse conversar com eles. - sugeriu Harry se sentando ao lado do amigo no sofá em frente ao meu.
- Já tentou conversar com os dois? Eu tentei dizer essa manhã que não gostava de geléia de pêssego e Liam quase esmurrou o Zayn por ter sido escolha dele. É caótico.

- Então escolha um deles. Uma hora ou outra você terá que escolher, não é?

Louis tinha razão. Eu teria que escolher, mas as chances da minha escolha ser a errada eram muito altas. E se aquele a quem eu escolhesse não fosse o pai da criança? Seria injusto com o outro. E era aí que os dilemas recomeçavam.
A confusão na minha cabeça parecia aumentar mais e mais a cada segundo e nem sequer notei quando Harry encheu o seu copo e o meu, mais uma vez.
- O que pretende fazer, Mandy? - insistiu Louis.
- Esperar. Mais um pouco, apenas. É tudo tão recente, talvez seja por isso que está tão confuso.
- Talvez. Mas se você tivesse que escolher nesse momento, quem você escolheria? Zayn ou Liam?
Eu fechei os olhos, deixando que as imagens e palavras dos dois viessem a mim. Eu ainda me recordava da noite em que eu levantara para beber água, atordoada com os meus pensamentos confusos e encontrara os dois na sala. Liam estava deitado no sofá, sem camisa, com o peito nu e amplo ao alcance do meu toque. E abaixo dele, no colchonete, estava Zayn, os cabelos jogados no rosto e as tatuagens sedutoras se revelando irresistíveis demais. Dois copos de água não haviam saciado a minha fome e minhas palmas formigavam de vontade de tocá-los mais uma vez. Eu já sentira os dois das formas mais profundas possíveis. Eles me tocavam num nível que nenhum outro fora capaz e era por isso que as coisas estavam tão confusas.
O que faltava em um, era completo em outro. Era como se fossem duas metades de algo que eu precisava desesperadamente e apenas juntas as metades me saciavam. Eu precisava dos dois.
Era egoísta, eu sabia, era até mesmo cruel. Mas eu precisava.
Eu amava Zayn e seu lado superprotetor, adorava a maneira como ele pegava as coisas que amava e cuidava delas acima de tudo e de todos, como a imagem era essencial para ele, como o seu coração era o seu guia para todos os seus passos.
Mas eu também amava Liam. Amava o jeito como a sua razão era mais importante, como ele cuidava do futuro, sem imediatismos, com planejamentos seguros. Os dois se completavam. Os dois me completavam.
- Os dois.
- Então escolha os dois, Mandy . Mostre a eles. - esvaziei o copo em um só gole e me levantei. Não sabendo se estava fortalecida pela bebida ou pela decisão que eu havia tomado, andando até a porta com Louis em meu encalço.
Ele me deu um abraço apertado e abaixou-se até que pudesse sussurrar em meu ouvido:
- Mesmo escolhendo os dois, apenas um deles é o pai. Você sabe disso. Alguma hora a escolha vai ter de ser realmente feita.
- Eu sei. Mas por enquanto, só por hoje, Louis, eu terei os dois.

Ganhei mais um abraço antes da porta se fechar e eu andar determinada para o elevador, ansiosa para voltar para casa. Eu me sentiria completa naquela noite, todas as partes do meu ser estariam completas.


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