VINTE

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Liam colocou um grande prato de macarrão com queijo na minha frente, esperando que eu começasse a comer, como ele mesmo fazia no momento. Mas eu podia ver em seus olhos que os pensamentos dele estavam seguindo o mesmo rumo que os meus. Estávamos ambos com Zayn preso em nossas mentes e nada do que fizéssemos estava sendo capaz de tirá-lo de lá.
- Sem fome? - ele perguntou e nós dois sabíamos a resposta. A fome não era o meu problema, o remorso o era. Era saber que eu não havia feito a escolha certa quando eu tivera tempo. Eu deixara que um laboratório sem sentimentos algum me dissesse o que fazer, eu deixara que Zayn saísse de minha vida sem nem sequer dizer nada.
- O que estamos fazendo?
Ele parou por alguns segundos se perguntando exatamente o que deveria me responder, mas tivemos a nossa conversa subitamente interrompida pelo som da campainha, fazendo com que nos virássemos ao mesmo tempo para a porta, intrigados, uma vez que não estávamos esperando ninguém.
Depois de uma discussão silenciosa, Liam se rendeu e foi atender o nosso visitante, que, pelo fato do balcão da cozinha estar bem à minha frente, estava fora do meu ângulo de visão.
Mas eu não precisava vê-la para saber quem era. Eu havia escutado a sua voz e isso era o bastante para me relembrar todas as coisas que ela já havia me dito antes e que me machucaram desesperadamente. Uma das várias coisas que me ajudavam a me convencer que talvez tenha sido o melhor para todos nós que Zayn tivesse escolhido partir.
Ele tinha uma família a zelar, uma religião a se comprometer. Ele não podia continuar naquele turbilhão de sentimentos, naquela confusão, para sempre.
- Tricia, a que devo a presença? - Liam perguntou, simpático, desconhecendo o ultimo encontro entre eu e a mãe de Zayn.
- Vim conversar com os dois. Onde está Mandy?
Me levantei, indecisa se essa era realmente a atitude mais sensata. Enfrentar Patricia Malik não estava na minha lista de prioridades. Sofrimento não era uma coisa que eu estava procurando, ultimamente.
- Sentem-se.
A Sra. Malik esperava que a obedecêssemos imediatamente. E para o seu prazer, não a contrariamos. Liam se sentou ao meu lado, segurando a minha mão entre as suas, me assegurando de sua maneira silenciosa de que estava tudo bem.
Liam era o homem dos sonhos de qualquer mulher. Ele estava fazendo por mim, o que nenhum homem em sua situação faria. Cuidando, se preocupando, se arrependendo de todos os erros do passado, erros que nem sempre eram seus. Às vezes eram meus também. Mas para ele, isso não parecia importar. Tudo o que ele queria fazer era cuidar de mim, me amar da melhor forma que ele pudesse.
À noite, eu mal me lembrava de Zayn, porque para todos os efeitos, eu me sentia desesperadamente confortável nos braços de Liam, sentindo as suas mãos grandes acariciando os meus cabelos enquanto o meu corpo estava colado ao dele. Também era difícil para mim lembrar de Zayn quando Liam estava ajoelhado à minha frente, brincando com a minha barriga, à espera de Marjorie Widad que, nem era sua filha, mas que ele já amava como se fosse carne de sua carne e sangue de seu sangue.
Como eu poderia não amar um homem que estava se empenhando tanto para dar o seu melhor para mim e para a filha de outro homem? Que estava disposto a cuidar dela como se ela fosse sua? Que assumira para si a responsabilidade de tudo o que acontecera?
- Se eu tivesse te amado melhor, isso tudo não teria chegado a esse estado. Eu me arrependi, Mandy, e estou dando o meu melhor para que você seja amada da melhor forma, cuidada do modo mais intenso, acariciada da maneira como você merece. Marjorie Widad é o meu prêmio por isso.
E era por isso que eu estava dando tudo de mim para recompensá-lo por suas tentativas de me fazer feliz. Liam merecia isso. Ele estava tentando ter a sua segunda chance. Eu a daria a ele. - O que a traz aqui, Sra. Malik? - perguntei, mantendo a educação.
- Eu estava errada, garota. Muito errada.
Arregalei os olhos, estranhando o que ela estava dizendo e ainda mais onde ela queria chegar com aquilo.
- Quando conversamos da última vez, eu disse que você deveria ficar longe de Zayn, mas era porque eu realmente acreditava que esse filho não era dele, eu acreditava que vocês não teriam nenhum futuro. Mas eu estava errada. Você fez bem à Zayn. Vocês dois fizeram bem ao meu menino.
Liam e eu nos encaramos e exibimos a mesma expressão de choque. Não sabíamos o que estava acontecendo.
- Eu e Zayn fomos na mesquita ontem. E por mais que isso seja errado, eu o ouvi. Escutei as suas palavras enquanto ele rezava, pedindo não por ele, mas vocês dois e por essa menina em seu ventre. - ela sorriu para mim e isso foi tão destoante da ultima vez que ela esteve comigo que eu mal conseguia reagir. - Ele pediu que Marjorie Widad crescesse cheia de saúde e alegria. Que ela fosse como você, Mandy, que herdasse até mesmo a sua capacidade de amar a todos igualmente, mas esperava que ela não se metesse em problemas por isso. - as lágrimas escorriam dos meus olhos e eu nem me preocupei em ocultá-las. - E ele rezou por você, Liam. Rezou à Alá porque, justamente nos momentos em que vocês brigavam mais, era que ele se sentia mais perto de você. Eu me preocupava, achando que isso acabaria com a amizade de vocês, mas foi o contrário. Conhecer os seus lados mais secretos enquanto brigavam aproximou vocês.
A mão de Liam apertou a minha com mais força e as minhas lágrimas caíram ainda mais velozes.
- Eu não queria ver isso. Na verdade, de acordo com o código de conduta da minha religião, eu nem sequer deveria pensar nisso, quem dirá aceitar. Mas é assim que eu vejo vocês.
- O que quer dizer, Tricia? - Liam perguntou, uma vez que eu estava paralisada pelas lágrimas, pela idéia de pensar em Zayn rezando por mim, por Liam e por Marjorie Widad, por ele querer que o seu Deus nos protegesse quando ele não estivesse conosco, porque ele acreditava que esse era o melhor para nós, ainda que o estivesse machucando. Patricia não dissera nada sobre isso, mas eu já sabia. Ela estava ali porque ela não aguentava ver o sofrimento de seu filho. De uma maneira ou de outra, eu sabia que eu seria justamente da mesma forma com Marjorie Widad. Eu estaria ali por ela, mesmo quando o céu parecesse estar desabando na cabeça dela. Mesmo quando as coisas parecessem não fazer sentido.
Seria nesse momento em que eu estaria ali por ela.
Eu e Alá, quem sabe.
- Vocês são um trio. Eu quis enxergar uma linha nisso. Pensar que vocês poderiam ser um casal, somente isso. Mas é impossível. A maneira como vocês amam um ao outro é forte demais para manter isso em uma linha apenas. Vocês são um triângulo. Isso é o que faz de vocês tão bons juntos. Mesmo quando estão brigando, vocês estão juntos e nada no mundo é melhor que a situação de quando vocês três estão juntos. Correto?
Ela estava certa. Eu me sentia desesperadamente bem, por mais egoísta que pudesse parecer, enquanto eles brigavam. Porque eu sabia que naquele momento, os dois eram meus e eu era deles, mesmo que dividida, mas era. E bastava que eu fechasse os olhos e era capaz de lembrar como os dois poderiam ser sincronizados, como o corpo dos dois eram capazes de me dar prazer simultaneamente. Como ambos eram feitos para me amar da mesma forma e eu era moldada para ser apenas deles.
Patricia olhou para o relógio de ouro em seu pulso e se levantou, deixando claro que a sua visita estava encerrada e que o motivo dela não era apenas pedir desculpas a mim por ter me dito todas as coisas cruéis de antes, mas para deixar implícito o seu apoio para que não houvesse uma escolha, mesmo que isso fosse uma obrigatoriedade. Éramos um triângulo e até mesmo ela conseguia ver isso.
- Obrigada pela visita, Sra. Malik. - eu disse me levantando e estendendo a mão para que ela pudesse apertá-la, e para minha surpresa, ela me puxou, dando um abraço firme em mim apenas para depois passar a mão com delicadeza em minha barriga.
- Se precisar de algo, não hesite em me chamar. Tenho uma certa experiência com crianças. Tive quatro, eu sei o que fazer.
Eu assenti, agradecida e Liam também se levantou, indo até ela e recebendo um beijo estalado em sua bochecha. O sussurro deveria ser inaudível para mim, mas o escutei perfeitamente: - Faça o que tem de ser feito, querido. Faça o melhor para vocês.
Liam balançou a cabeça, deixando claro que entendera o recado e, tão subitamente quando chegara, Patricia Malik saíra de nosso apartamento.
Me deixei cair no sofá e Liam me encarou, observando como meus cabelos estavam bem penteados, como minhas roupas largas ainda eram capaz de delinear a minha barriga enorme, como eu sempre parecia tão inchada.
E então, de repente, ele puxou o celular do bolso, discando um número rapidamente e esperando os toques até que a chamada fosse atendida.
- Onde ele está, Tomlinson?
A resposta de Louis não foi alta o suficiente para que eu ouvisse, por isso apenas observei as reações de Liam ao telefonema. O sorriso discreto em seus lábios, a maneira como seu corpo estava tenso com o que eu conhecia ser ansiedade. O que diabos ele estava planejando?
- Obrigado. Cuidarei disso.
Louis disse algo e o sorriso de Liam cresceu, luminoso, fazendo que o mesmo acontecesse comigo e um sorriso enorme crescesse em meus lábios.
- Pode deixar.
E sem esperar por mais nada, Liam devolveu o telefone ao bolso de sua calça jeans, pegando a minha bolsa de cima da mesinha ao lado da porta, onde eu sempre a deixava.
- O que está acontecendo? - eu perguntei ao vê-lo pegar a chave do carro e me ajudar a levantar do sofá, onde eu estava relaxando, uma vez que eu ficava cansada com muita facilidade e levantar sozinha, com uma barriga daquele tamanho não era uma tarefa das mais fáceis.

- Eu ainda não respondi a sua pergunta anterior, Mandy.
Eu nem me recordava mais do que eu havia perguntado, talvez ao ver a minha cara de ponto de interrogação, Liam decidira me responder apropriadamente:
- Você me perguntou o que estávamos fazendo. Eu não sabia responder antes, Mandy, mas agora eu sei. Nós estávamos tentando fazer isso do jeito errado. Tentando desenhar a figura errada. Eu nunca fui bom com desenhos e acho que você também não. Mas conhecemos alguém que é. E foi por isso que ele entrou em nossas vidas. Os nossos traços não eram bons, eram tortos. Eu não sabia o que te dar, não sabia como lidar com a melhor coisa que eu tinha. Por isso eu desenhei uma linha cheia de ranhuras, cheia de desvios estranhos que não levavam a lugar nenhum, que não formavam nada. Nem uma forma, nem um desenho. Nada. E então Zayn te segurou nos braços e criou a segunda linha. - ele estava inflamado pela paixão e falava com tanta ansiedade que eu me peguei sorrindo enquanto ouvia atentamente às suas palavras - Ele já tinha criado a primeira quando nós dois nos conhecemos naquele bootcamp. Quando fomos colocados para cantar juntos, quando ele segurou a minha mão na minha primeira tatuagem, quando ele chorou a saudade da família no meu ombro. Naquele momento, a nossa linha estava desenhada. E então ele desenhou uma pra você.
- Liam...
- Não, deixe que eu continue. Naquele momento, Mandy, eu achei que apaguei a nossa linha torta e mal desenhada. Eu não entendia ainda. Mas algo me dizia para tentar de novo, para segurar o lápis com mais firmeza, para me esforçar, me focar na tarefa. E eu desenhei a linha entre nós, Mandy. Algo tão bom quanto o Zayn poderia fazer. E fechei o triângulo. As linhas se uniram e formaram um desenho. E elas se deram um nó.
- Nós são ruins. - eu disse, incerta.
- Não. Pelo contrário. Nós atam as coisas, as deixam firmes, as prendem. E se eu pudesse escolher, escolheria estar preso a vocês para sempre. - ele segurou minhas mãos, me puxando para mais perto do seu corpo e colocando a testa sobre a minha, me fazendo olhar em seus olhos cor de chocolate, vendo profundamente dentro dele, sabendo que aquela era a nossa verdade. Se pudéssemos escolher.
- Mas a escolha...
- Toda escolha é uma renúncia, meu amor. Mas ela não é necessariamente ruim. Você não precisa me escolher e renunciar à Zayn. Você pode escolher a nós dois e renunciar o normal, o que é imposto pela sociedade. O que todos esperam que você faça.
Meu coração acelerou e eu senti Marjorie Widad se mover estranhamente dentro de mim, como se me perguntasse o que eu faria a partir daquele momento.
Como eu desataria aqueles nós.
- Qual é a sua escolha, Mandy?
- Onde ele está? - um sorriso radiante apareceu na boca sensual de Liam Payne.
- No seu antigo apartamento.
Eu não disse nada, apenas peguei minha bolsa de seu ombro e andei com passos trôpegos de grávida para fora do apartamento, com Liam logo atrás de mim.
A escolha havia sido, finalmente e definitivamente, feita.
Os nós seriam atados.


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