Capítulo 2

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O cheiro de urina apodrecida invadia as narinas de Zayn, fazendo a ânsia de vômito crescer no estômago dele. Achou que não seria tão ruim passar algumas horas na cadeia, mas depois de ver a sujeira do local, decidiu que não queria voltar.

Sentado no banco gelado de metal, ele abraçava o próprio corpo, tentando se proteger do frio trazido pela leve corrente de ar que existia de forma inexplicável naquele corredor acinzentado. Brendon chorava baixinho ao seu lado. "Depois eu que sou a bicha", pensou Zayn. Se bem que não era pra Zayn que o grandalhão no fundo da cela estava olhando. Talvez Brendon estivesse com medo de ser obrigado a morder a fronha ensebada da cama do companheiro de cela. Zayn sorriu com o pensamento. Talvez fosse disso que Brendon precisava para perceber que homens são de fatos muito melhores que mulheres, dupla utilidade. Seria engraçado ver o amigo se tornar uma borboleta.

- Wood! - gritou um policial na ponta do corredor, e Brendon levantou correndo, se jogando contra as grades como uma moça se despedindo do namorado que vai para a guerra.

- Sou eu, seu guarda, eu aqui! - balançava a mão freneticamente.

O policial abriu a cela e Brendon saiu desembestado, desaparecendo rapidamente.

- É, te vejo mais tarde também... - murmurou Zayn solitário. Olhou para o cara no fundo da cela. Ele olhava para o chão, a careca reluzindo a luz amarelada da lâmpada e os músculos do braço se contraindo, distorcendo uma tatuagem pinup que ele tinha ali. - Bonito desenho.

- Huh? - o homem ficou confuso por um instante, até notar ao que Zayn se referia. - Ah sim, bonita não é mesmo? É minha mãe. Ela era pinup nos anos 50. Capa das mais finas revistas, todo o glamour, aah... - pareceu perdido por mais alguns segundos, e se levantou, indo até Zayn com a mão estendida. - Sou Hank.

- Prazer, Hank. Sou Zayn. É, ela era realmente bonita.

- Verdade - disse o homem sorrindo simpaticamente e se sentando ao lado de Zayn. - Pelo que você está preso, Zayn?

- Tentativa de atividade ilegal para menores. E porte de um baseado. E você?

- Ah, bem.. eu criei confusão num bar semana passada. Estava bêbado, sabe? Fiquei chateado, perdi meu namora- minha namorada, quero dizer, e acabei bebendo demais e descontando num camarada que se engraçou pro meu lado. É muito assustador aqui, não é? Tão frio.

Não demorou muito tempo para que Zayn percebesse que o grandalhão era uma moça. E acabou fazendo uma amizade inesperada. Ficaram conversando por algumas horas, então o guarda reapareceu no corredor.

- Malik!

Zayn fingiu não se importar com a demora que foram até a delegacia o soltar, se despediu de Hank e saiu da cela. Foi até a sala do delegado, onde seu pai estava sentado com a maleta em mãos, esperando impaciente. Ao notar a chegada Zayn , ele rapidamente se levantou e apertou a mão do delegado. Uma despedida seca e ele saiu sem nem olhar para o filho, que o acompanho quieto.

Broncas, xingamentos, repreensões... Zayn esperou qualquer tipo de repressão do pai durante todo o caminho de volta para casa, mas nada disso veio, e o silêncio era completo e irritante dentro do Mercedes. Frustrado, Zayn ligou o rádio no volume máximo. E funcionou, o pai desligou e falou, com sua voz fria de advogado:

- Nada de mesada para você esse mês.

- Pai, me desculpe, eu...

- Não quero conversa, Zayn. Já me basta ter me tirado do tribunal no meio do julgamento, é o suficiente que quero ouvir de você por hoje.

"É, Zayn, algumas coisas nunca mudam", pensou consigo mesmo. O que seria necessário para o pai olhar em seu rosto com carinho ou atenção? Todos na estação policial pareciam comentar sobre eles quando Zayn passou, obviamente notando as boas condições financeiras da família - e provavelmente invejando-os. Tolos que eram. Não sabiam que o dinheiro não vale nada quando se cresce numa casa sem amor. Sem vida.


*


Liam enxugava seu corpo em frente ao espelho do banheiro. Pensou sobre o longo tempo decorrido desde que alguém o tocara pela última vez. Desde que Sophia o tocara. Sophia. Ela estava morta agora. E ele também.


Can you still remember your very first kiss, or the future we hoped for when we were still kids?


Foi até o quarto e vestiu uma calça de flanela surrada. Nada da arrumação dos jovens. Pensou sobre tudo o que aconteceu durante seu dia, e decidiu fazer o que a Dra. Anya dizia ser seu dever de casa: escrever em seu "diário". Era mais um caderno para onde ele passava algumas coisas desconectas. Era pouco, mas fazia Liam se sentir menos mal. Ele achava, pelo menos. Sentou-se na cama, recostado na cabeceira, apoiou o caderno sobre os joelhos dobrados e contra o peito nu, firmou a caneta e começou a escrever.

"Está chegando o Halloween. As crianças estão enfeitando as ruas de laranja. Ano passado eu também era uma delas. Eu e Soph, aos 21 anos, brincando despreocupados. Bem, acabou.

Dra. Anya sabe mais do que deve. Eu devia checar de onde ela tira tanta informação. E quem sabe, pegar informações dela também. Eu queria saber o que aconteceu àquela mulher para ela ter morrido. Não sei se foi uma tragédia ou apenas a rotina.

E o garoto. Os olhos mais brilhantes... mais vivos. É estranho, estamos tão acostumados à feiúra de nós mesmo que quando vemos alguma beleza, achamos que algo está errado. Mas ele não me parece errado. Me parece familiar. Magnético.

As pessoas podem ser ótimas... e eu as amo pelo que elas são capazes de fazer. Mas eu as odeio por suas escolhas."

Parou ali, já não sentia mais vontade de escrever. Largou o caderno sobre o edredon bagunçado e se dirigiu à cozinha. Abriu uma cerveja e a desceu pela garganta junto com dois analgésicos. Seu corpo não doía, mas seu espírito sim.


Stay young


Sentando no sofá da sala, Liam ligou a televisão e apertou o "play" do vídeo cassete. A fita, já vista tantas vezes, recomeçou da parte favorita dele.

Uma moça de longos cabelos negros fazia festa com a câmera. Levantava os braços, tirava a flor do cabelo e oferecia ao cinegrafista, sempre sorrindo e cantando. Chamou a pessoa com o dedo, a câmera se aproximou. O foco nos grandes olhos castanhos dela. Então ela segurou a câmera, direcionando-a para sua boca rosada, e sussurrou:

"- Nós te amamos."

O foco se abriu. Ela agora segurava a barriga redonda, um coração pintado com batom em volta do umbigo.

"- Nós não amamos o papai? Sim, amamos! Querido, eu posso escutá-lo dizendo que te ama também. Você nos ama?"

Liam tremia no sofá, a garrafa já vazia contra a testa.

- Sim, querida. Eu amo vocês - sua voz ecoando nas caixas de som. - Amo vocês.


Don't give up control


Ele se levantou e voltou ao quarto. Sob o abajur havia um pedaço amarelado de papel já desgastado. Liam olhou novamente para a tinta falha. "MULHER E FILHO, PRONTO. QUEM EU PEGAREI DA PRÓXIMA? OLHE PARA OS LADOS, PAYNE." O bilhete que ele encontrara ao lado do corpo quase sem vida esposa, e ele mantinha aquilo sempre à vista, uma auto tortura involuntária... o simples trapo o lembrava do pior momento de sua vida. O beijo nos lábios recém mortos da mulher mais viva que ele conhecera. O dia em que ele morreu. O dia em que o mundo morreu pra ele.

Liam voltou a segurar o diário. Com as mãos trêmulas e a visão turva, ele escreveu em letras esgarranchadas:

"Eu preciso que me tragam de volta à vida."


You're Eternal » ziamOnde histórias criam vida. Descubra agora