Capítulo 8

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A viatura prateada cortava os outros carros de maneira ilegal. Avançava sinais fechados. Liam quase colidiu com outros veículos diversas vezes, e só não foi perseguido pelas motos da polícia rodoviária porque tinha a sirene barulhenta piscando no capô. Amaldiçoou o trânsito lento da hora do rush na cidade movimentada. Levou muito tempo para chegar à estrada parcialmente vazia onde um corpo fora achado há menos de vinte e quatro horas atrás. Desligou e guardou a sirene. Não queria chamar atenção.

Uma chuva fina começou a cair. Através da fresta na janela, Liam sentiu o cheiro da terra molhada. Estaria Zayn vivo para sentir aquele cheiro?


*


Não durma. Não desista. Não abaixe a guarda.

Zayn repetia aquilo para si mesmo, tremendo de frio. Sua mente insistia em ir para os lugares mais remotos, logo o arrastando para o sono. Lembrou de todas as coisas boas que aconteceram em sua breve vida. Os domingos brincando na piscina com o pai. O Natal de seus 13 anos, onde ganhou a guitarra que desejou por meses. Os biscoitos que a mãe lhe fazia. A primeira paixonite de verão... porém, os fantasmas do lado obscuro de sua vida pareciam querer abraça-lo, segura-lo naquele mar gelado de lembranças ruins. Era perseguido por suas noites sozinho em seu quarto, olhando as pessoas se divertindo em sua piscina. A expressão vazia no rosto do pai, que sequer levantou os olhos do computador quando Zayn foi mostra-lo que já sabia tocar Fear of the Dark - aquela indiferença que cortava por dentro. Os momentos onde ele, influenciado pela bebida, vagava sem rumo e escrevia músicas e poemas sombrios e suicidas. Todo o medo que Zayn - infantilmente - tinha de ficar sozinho no escuro. O ressentimento de perder todos a quem amava. A vontade nauseante de ter coisas tão simples, mas ao mesmo tempo tão fora de alcance... esses pensamentos o deixavam num estado quase catatônico, mas Zayn não se permitiria cair no sono com aquelas memórias. Tinha medo de não acordar. Lutaria contra elas com suas boas lembranças. Quase sorriu ao pensar em um Feitiço do Patrono, e começou a divagar sobre o quanto seria útil ser um bruxo naquele momento.

E ele felizmente estava bem lúcido - apesar de distraído - quando a porta se abriu. Voltando à realidade, ele percebeu que tremia mais do que nunca, pois uma grande goteira abria espaço para a quantidade generosa de água que caía em sua cabeça, escorrendo pelo pescoço. As mãos, novamente amarradas às costas, o impediam de esquentar-se e defender-se daquele que vinha entrando. O Chefe. O viado pervertido, pensou Zayn.

O homem ficou de cócoras na frente do garoto

- Oi princesinha, sentiu minha falta? - falou naquele sussurro arrastado e pegajoso. Zayn não podia vê-lo na semiescuridão, somente via o brilho do cabelo oleoso, mas sabia que o doente estava sorrindo. - Vim te avisar que já mandamos o local de entrega do resgate pro seu papai. Mas não sei se quero te entregar. Um pecado desperdiçar uma coisinha tão linda.

Zayn sentiu a pele do Chefe - fria e molhada, como carne de peixe - em seu rosto; debateu-se imediatamente.

- Não toca em mim, seu porco.

- Ouch! - fez o homem com uma risada chiada - Se fazendo de difícil? Não adianta, boneca. Você vai ser do papai aqui.

- Nos seus sonhos.

- E nos seus pesadelos.

Uma forte pancada no topo da cabeça e Zayn quase perdeu os sentidos. Ficou tonto, não sabia em que posição estava, não sentia nada além de uma dor lancinante descendo pelo seu corpo em ondas. Levou mais de um minuto - ou uma hora, ele não sabia - para tomar consciência de que estava sendo tocado. As mãos frias passeavam pelo seu dorso nu, lábios escancarados e gosmentos em seu pescoço. Sentiu o fedor de sujeira e cigarro naqueles cabelos ... quis lutar, resistir, mas não conseguia; estava sem equilíbrio e sem forças, mãos amarradas...

You're Eternal » ziamOnde histórias criam vida. Descubra agora