Capítulo 7

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Liam coçava o nariz incessantemente, começava a sentir a pele do septo arder pelo constante atrito com o tecido rústico da gola da camisa surrada. A falta de sono e alimentação decente abaixaram seu sistema imunológico, e a rinite ameaçava uma volta avassaladora. Ele foi até o banheiro, molhando o nariz com água para aliviar enquanto não tinha seu remédio em mãos.

Passara o dia todo investigando a vida de Zayn, mas não conseguiu muita coisa. Os pais do garoto não foram muito - na verdade, nada úteis no que se tratava de fornecer informações sobre o filho, e Liam decidira ir à casa dos Malik tentar descobrir alguma coisa por si próprio.

A construção era recente, ele pôde notar. O simples paisagismo vastamente iluminado - desnecessariamente - por lanternas coloridas no jardim indicava a assinatura de um profissional famoso. Aquelas plantas, pensou Liam amargamente, tinham mais classe e valor que seu apartamento. Ao passar pelas portas de vidro que davam para a sala, percebeu que qualquer pessoa poderia morar ali. A decoração impessoal e insípida combinava com as paredes pintadas de uma cor creme, insossa, pálida. Uma sala com uma decoração impecavelmente morta e espaço suficiente para abrigar uma família de cinco, bem iluminada em tons alaranjados da lareira a gás, dando a falsa impressão de calor. Porém, a casa ainda era fria. Era só isso: uma casa. Não um lar. Não parecia haver amor ali. E os olhos artísticos de Liam, ainda influenciado pelo sonho da escola de Arte, captaram toda a essência do lugar num segundo, e ele não pôde deixar de se sentir solidário com o rapaz que habitava o local, passando quase despercebido pelos pais.

Zayn não tinha irmãos; era sozinho. Por isso, tentava encontrar irmãos nos amigos, que também não passavam de cascas vazias desesperadas por atenção; os grandes egos somente preocupados em serem convidados para a festa mais descolada da noite. Liam sempre tivera Logan. Quando estava triste, fosse pelo motivo mais trivial, os braços finos do irmão estavam sempre abertos para ele. Sabia que podia contar com Sophia, mas um irmão era diferente. Era parte dele, era quem o trazia de volta à realidade quando esta era tão dura que fazia Liam querer esconder-se dela. Um irmão é tudo aquilo que você quer e precisa quando sua própria consciência não é suficiente para lidar com todos os espinhos em sua alma. Ele sempre estaria ali. E era exatamente o que talvez poderia ter salvado Zayn. Mas ele não tinha irmãos.

- É por aqui - indicou a sra. Malik se embrenhando na casa a passos rápidos. Suas bochechas cansadas tinham um tom levemente mais opaco que o resto do rosto pálido. Ela tinha vergonha da sua casa, sua linda e milionária casa, que era um troféu a lembrando constantemente do tempo que trabalhou para compra-la - trabalhou ao invés de dar amor e atenção ao filho.

Ela parou diante de um corredor escuro que tinha uma porta no fim. Clicou o interruptor, acendendo as lâmpadas, deu meia volta e foi embora, o barulho inconstante dos saltos ecoando no chão de tábua corrida. Liam foi se aproximando da porta, já sentindo o cheiro leve de fumaça de cigarro e erva, mas parou antes de abrir.

O pedaço de madeira era originalmente pintado de branco para combinar com as paredes, porém era riscado por incontáveis símbolos, feitos à mão com canetas coloridas: azul, verde, preto, vermelho, roxo; todas misturadas com uma harmonia heterogênea. Ao se aproximar, Liam notou que os símbolos eram musicais. Zayn os escrevera ali, provavelmente eram as melodias de suas músicas favoritas.

"Ainda há vida dentro dessa casa", pensou Liam. Porém já sabia disso. Vira Zayn. Vira seus olhos incandescentes. Pensou na voz do garoto; o jeito que soava rouca, como se ele houvesse acabado de acordar. Onde estaria ele agora?

Entrou no quarto e observou as coisas do garoto. Roupas de marca intactas, e algumas camisas de banda baratas tão usadas que o tecido ficou fino. Duas guitarras no canto da parede, uma grande TV de plasma. Muitos cadernos de partituras, CD's, um cinzeiro cheio no criado-mudo. Nada que pudesse indicar informações relevantes na busca.

Agora, parado com as mãos na louça gelada da pia da delegacia, Liam tentava raciocinar com clareza. Zayn havia saído de casa na noite anterior, e por algum motivo foi atraído para os limites da cidade. O taxista disse que eles comentaram algo sobre fazer a compra na viagem de volta. Certamente, drogas. Mas por que tão longe? Por que não foram a um dos vários bairros perigosos da cidade? Não conseguia entender. E a coceira no nariz o distraía, acentuando a dor de cabeça concentrada no cenho. Para completar, o toque agudo do celular o fez tremer de susto. Enxugando as mãos na camisa, Liam atendeu.

- Boa noite, Liam. Por que não apareceu hoje?

Anya, a psicóloga. Maravilha. Sermão. Era a última coisa que ele precisava.

- Olha, Dra. Anya, eu estou realmente ocupado.

- Isso é verdade ou é o que você quer que eu pense? - ela perguntou no seu tom naturalmente irônico.

- É verdade. Infelizmente. Trabalho.

- Hmm, certo. Sou uma boa pessoa, vou acreditar em você. Mas terei que remarcar sua sessão.

- Tudo bem, eu te ligo.

- Pelos bigodes de Freud! Você disposto a uma consulta? Esta tudo bem?

- Estou tentando fazer com que fique. Até, doutora.

Guardou o aparelho no bolso. Anya não estava mentindo, era uma boa pessoa, ainda que irritante. Assim como Zayn. E assim que esse pensamento lhe ocorreu, as palavras da analista voltaram a sua mente: "Isso é verdade ou é o que você quer que eu pense?"

Os sequestradores eram sequestradores. Não traficantes. Só fingiam ser.

"Sou uma boa pessoa, vou acreditar em você."

Zayn acreditara. Achou que era somente estranho ir comprar drogas na saída da cidade. Mas Liam sabia que não era só isso. Alguém havia oferecido a droga para eles, e os disse para ir até lá. Para não terem de lidar com outras pessoas por perto... fazerem o serviço, matarem um garoto, e continuarem o caminho sem empecilhos...

Liam encarou seu reflexo no espelho, os olhos brilhando ao chegar em uma conclusão. O cativeiro era naquela direção.

Ele correu ao seu escritório, pegou o paletó e as chaves do carro; já estava saindo do cômodo quando parou. Voltou à escrivaninha, abriu a gaveta e pegou sua arma. Sabia que precisaria dela.


You're Eternal » ziamOnde histórias criam vida. Descubra agora