Capítulo Trinta

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Sinto um enjoo me vir, mas seguro para não vomitar.

— Como isso aconteceu? — ouço Tomás perguntar para alguém no meio da multidão que observa o corpo do garoto em um dos galhos da árvore.

Seu corpo não está perto do chão, mas também não está tão longe. Ele provavelmente escalou a árvore para poder fazer isso.

— Vimos ele escalando a árvore com uma corda, mas não achamos estranho, já que alguns sobreviventes aqui sempre estão escalando árvores. — diz um homem que está com uma mulher ao seu lado. — Só soubemos que ele tinha se matado quando ouvimos os gritos das crianças.

Sinto um calafrio percorrer meu corpo. Minhas mãos tremem ao ver a cena do corpo sem vida do rapaz pendurado pelo pescoço girando. Ele emite uma sombra grotesca no tronco de outra árvore.

Nós nos arriscamos por esse garoto. E ele se matou. Ele pediu ajuda para salvá-lo, mas se matou. Por quê? Não faz sentido.

Tomás parece preocupado, mas não triste, ou com medo, ou indignado igual eu estou. Apenas eu sei o que ele fez. Apenas eu sei que ele matou sua mãe quando ela já estava morta. Não contei para ninguém. Será que eu deveria ter contado? Será que evitaria seu suicídio?

— É o rapaz que resgatamos! — diz Mike, que parece ter se tocado apenas agora de que é Luiz.

— Ele estava com medo... — digo. — Estava devastado... Eu... Eu...

— Fique calma, Claire — diz Tomás, tocando em meu ombro. — Algumas pessoas simplesmente não resistem ao apocalipse.

Será que já aconteceu isso antes? Será que outras pessoas já haviam cometido suicídio antes aqui dentro do abrigo? Será que acontece com frequência? É só mais um para Tomás?

Luiz era um rapaz bom. Ele queria salvar sua mãe, mas não conseguiu.

— Ele matou sua própria mãe — digo.

Não é uma boa hora para contar, mas eu preciso. Já é tarde demais para contar. Ele já está morto.

Tomás e Mike olham para mim. Eles percebem que eu estou tremendo e suando. Parecem mais preocupados comigo do que com o corpo rodando acima de nós.

— O quê? — pergunta Mike. — Como assim? Como você sabe?

— Ele me contou, Mike. — digo. — Ele disse que sua mãe se transformou em um zumbi e ele teve que matá-la. Ele só tinha 14 anos.

Não sei se ele tinha exatamente 14 anos, mas ele aparentava estar entrando na fase da adolescência.

Eu a matei. Ouço as suas palavras. Não a salvei.

Sinto meu coração bater fortemente contra meu peito. Minha vontade era de me ajoelhar e despejar o máximo de lágrimas possível. Eu pensava que já havia visto de tudo. Mas eu estava enganada. Ainda há muita coisa para ver.

Tomás se vira para a multidão que continua observando o defunto pendurado por uma corda.

— Saiam, voltem a fazer o que estavam fazendo! — ele diz. — Não tem mais nada para ver aqui!

As pessoas demoram um pouco, mas começam a sair do local. Vejo Tomás parar um garoto e dizer algo a ele. A voz de Tomás soa como um sussurro, mas eu consigo escutar de onde estou. Talvez minha audição também seja aguçada, junto com os outros poderes — ou talvez Tomás não tenha falado tão baixo assim.

— Tira o corpo dali, vamos queimá-lo.

Meu coração falha uma batida ao ouvir aquilo. Me aproximo de Tomás quando o garoto já começa a ir em direção a árvore.

Escolhida || Livro 2 da Trilogia SinistraOnde histórias criam vida. Descubra agora