Capítulo 5 - Ele

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Um, dois, três, quatr...

A porta da cabana é aberta e minha contagem vai por água abaixo, juntamente com a minha tentativa de ficar calma. "Ele" acabou de cruzar a porta. Mas quem é "ele"? É a única coisa que consigo me perguntar. Só não tenho certeza de que quero descobrir.

— Até que enfim! — ouço Jo dizer atrás de mim. — Senti sua falta.

— Eu também. — o homem responde, não tão animado quanto ela.

Dennis não se dá ao trabalho de cumprimentá-lo. Está muito ocupado mexendo em meus cabelos loiros. Tento me desvencilhar de suas mãos sacudindo a cabeça, mas é inútil, e tudo o que ele faz é rir de minhas tentativas estúpidas. Um grunhido irritado escapa da fita isolante que cobre minha boca.

— Sai de perto dela. — escuto o homem dizer.

Dennis obedece no mesmo instante, mas reclama:

— Qual é? A gente tá só se divertindo um pouco, né, princesa?

— Ninguém toca na garota. Eu avisei. — sinto ele se aproximar de minha cadeira. Ele puxa a corda que amarra minhas mãos e ela fica mais frouxa. — Ela tá machucada? — pergunta, se levantando novamente.

— Ela tá bem. — Jo diz, num tom irritado. — Por que você se importa?

— Você sabe porquê. A gente não veio aqui pra fazer isso.

— Vamos começar ou não? — Dennis indaga. — Nossa convidada tá esperando.

Ele passa a mão em minha cabeça novamente, me dando calafrios e fazendo eu me encolher toda na cadeira.

— Sim. Mas preciso falar com ela antes. Sozinho.

— Por quê? — Jo pergunta, confusa.

— Só sai, por favor.

Jo resmunga algo que não consigo entender e depois escuto passos se distanciarem em direção à porta da cabana, que é fechada de forma brusca. O barulho me assusta um pouco e estremeço sobre a cadeira.

— Tá tudo bem, Emma. Ninguém vai machucar você.

Emma. É a primeira vez que escuto meu nome desde que cheguei aqui. Pelo visto eles sabem mais sobre mim do que querem mostrar. Ele dá a volta na cadeira e se agacha, ficando frente a frente comigo. Abaixo minha cabeça e fecho os olhos. Não quero vê-lo. Não quero ver nada. Eu só quero sumir daqui. Ele remove a fita da minha boca com cuidado.

— Me desculpe. — diz. — Você é apenas dano colateral, não é nada pessoal. Mas tenho medo de que você seja a única solução para o meu problema.

Ele se levanta e me dá as costas. Eu o observo caminhar até a janela mais próxima. Quando chega, acende um cigarro.

Seu rosto está focado na paisagem e não consigo vê-lo. Mas olhando por trás, percebo que ele é bastante alto e loiro. Posso jurar que já o vi antes, mas minha mente falha. Preciso ver seu rosto.

— Eu poderia te ajudar, se você me deixasse sair. — digo, com o intuito de fazê-lo se virar.

Consigo e sou surpreendida. Estava certa, eu o conheço. Ele me encara rapidamente, da mesma forma que o fez no corredor do colégio, e sorri quando vê minha expressão espantada.

— Se fosse tão fácil, eu não te traria para cá, Emma. Você sabe que não.

— Alex... Por quê? — pergunto, contendo minhas lágrimas.

— Você já vai descobrir.

Ele sai da cabana e tenho alguns poucos segundos para associar o que está acontecendo. Alex Holbrook. Alex que eu conheço a minha vida toda. Alex que trabalha para a polícia. Alex que me sequestrou. Que merda ele pensa que está fazendo?

O mais estranho é que não estou mais com tanto medo. O fato de meu sequestrador ter um rosto familiar — apesar de ele ser um potencial psicopata — deixa a situação menos pior.

Quando Alex volta, já não está mais sozinho. Dennis vai até o monitor que está parado na minha frente e o conecta a um notebook.

— Ok, Emma. — Alex diz. — A partir de agora, eu quero que você esqueça tudo o que você acha que sabe sobre sua família.

Dennis liga o monitor e um vídeo começa a passar. É uma reportagem, sobre o ataque ao avião do governo. Sobre como ele explodiu pouco antes de sair da capital e matou centenas de pessoas. Sobre como o pai de Alex, Walter Holbrook, ex-candidato a Governador de Illinois, morreu na explosão. Coisas que eu já sei. Tenho quase certeza de que assisti essa mesma reportagem umas vinte vezes. Sinceramente, não sei qual o intuito disso tudo.

Quando ela finalmente acaba, outra começa. Esta, no entanto, não me é comum. Não reconheço o repórter, nem o logotipo do jornal. O tema dessa reportagem não é mais o acidente. É meu pai. Ele é mostrado em um de seus discursos, em que ele fala pela primeira vez como candidato a Governador. Quando o discurso acaba, uma imagem de Walter é mostrada. E a quantidade de mentiras que sai da boca dos apresentadores do jornal é absurda. Eles acusam meu pai descaradamente de planejar o ataque. Chamam-no de assassino, manipulador e corrupto. Fecho meus olhos, mas não posso tampar os ouvidos.

— Desliga — peço.

Posso sentir lágrimas querendo escapar de meus olhos fechados. E é como se estivesse falando sozinha, porque a televisão continua ligada e sou obrigada a continuar ouvindo as mentiras que saem da boca dessas pessoas.

— DESLIGA! — agora estou gritando e a televisão é desligada segundos depois.

Minha cabeça balança de um lado para o outro em negação. Eles não podem estar falando a verdade. Meu pai não é um monstro. Ele é meu pai. Ele é uma pessoa boa, eu sei que é.

— Emma — Alex se aproxima.

— Não! Fica longe de mim! Isso é tudo mentira!

— Eu queria que fosse.

Jo anda de um lado para o outro.

— Você sabe o que é uma mentira? — ela diz se aproximando da cadeira em que estou sentada. Ela me puxa pelo cabelo de forma que nossos rostos ficam quase colados. — A sua vida! Garota estúpida, a gente tá te fazendo um favor. Você devia me agradecer.

Alex intervém, fazendo-a me soltar.

— Dennis, leva ela daqui. — ele ordena.

— Alex, não! — peço. — Por favor...

Dennis desamarra minhas mãos e pés e me coloca sobre seu ombro. Tento me soltar, esperneando e agarrando tudo o que vejo pela frente, mas ele é muito mais forte. Sou arrastada pelo corredor até o quarto e sou jogada lá dentro, caindo com tudo no chão. Antes que eu possa me levantar, Dennis já trancou a porta atrás de mim.

Bato contra a madeira e grito, com raiva. Está anoitecendo e o quarto está ficando escuro. Me arrasto até o colchão e me encolho no canto da parede, como antes. Mas dessa vez, consigo conter qualquer vestígio de choro que tenho dentro de mim, dando lugar ao ódio.

Sequestrada #Wattys2016Onde histórias criam vida. Descubra agora