Capítulo 13 - Água

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Sinto o chão de porcelanato frio tocar os dedos de meus pés descalços. Minha casa está estranhamente quieta e escura. Os móveis de madeira antiga estão com uma tonalidade acinzentada, apodrecida. 

— Mary? — chamo com a voz baixa, enquanto desço o primeiro degrau da escada que me leva até a sala.

Ninguém responde. 

Continuo descendo, degrau por degrau, com cuidado. Lascas do corrimão se soltam em minha mão quando o toco, buscando apoio. Tudo parece se esfarelar sobre mim. 

Quando chego até o andar de baixo, me deparo com algo peculiar. A porta do escritório de meu pai está escancarada. 

Caminho até lá com cuidado, na ponta dos pés. Eu quase nunca chegava perto dessa porta, ela costumava estar sempre fechada. Prendo minha respiração, tentando controlar os batimentos de meu coração que parecem estar na minha garganta. 

Ao cruzar a linha da porta me deparo com o escritório destruído. Livros estão caídos das prateleiras. Papéis cobrem o chão e porta-retratos foram estilhaçados. A única luz que ilumina o local vem de um pequeno abajur em cima da mesa principal. Um vento frio entra pela janela e sacode as cortinas. Quando ele chega até mim, me dá calafrios.

Vou até lá e fecho o vidro das janelas, com dificuldade. Assim que termino, escuto o ranger da porta atrás de mim. Viro de costas. A porta está se fechando devagar, revelando uma pessoa encostada na parede. Ela está agachada, com o rosto enterrado em seus joelhos. A pessoa chora. Chego mais perto, olhando mais atenta para o topo de sua cabeça.

— Pai? — digo, reconhecendo seus cabelos grisalhos. — Pai, o que houve?

Ele levanta sua cabeça devagar, me dirigindo seu olhar devastado. Um grito escapa de minha boca. Seu rosto está totalmente desfigurado, como se ele tivesse se queimado e sua pele estivesse começando a derreter.

Involuntariamente, dou alguns passos para trás.

— Eu tive que fazer aquilo, Emma... Eu tive que fazer... — ele repete em meio a soluços enquanto se levanta do chão com dificuldade.

Ele vem em minha direção. Seu olhar é quase irreconhecível. Continuo caminhando para trás, até que meu corpo encontra uma parede que me obriga a parar.

— O quê? O que você fez? — pergunto, com medo da resposta.

Ele não me responde. Ao invés disso, continua chorando, agora desesperadamente. Ele diz algo misturado aos gemidos, mas não consigo identificar suas palavras. 

Me aproximo dele, com o braço esticado tentando tocar seu ombro.

— Pai... — é a única coisa que consigo dizer quando finalmente o toco.

— Me desculpe, Emma — ele diz, antes de apontar um revólver para mim. 

Ele posiciona a arma bem no meio de minha testa. Fico paralisada.

— O que... o que é isso?

— Eu preciso... — ele fala. Lágrimas escorrem por seu rosto e a mão que segura o revólver está tremendo.

— Emma, acorda! — escuto a voz de Alex distante.

Meu pai destrava a arma. Fecho meus olhos esperando o disparo.

— Emma! Você precisa acordar! — ouço a voz de Alex mais uma vez — Abre os olhos... Por favor, abre os olhos! 

Meu pai aperta o gatilho.

Espero a bala atravessar minha cabeça, mas não acontece. Ao invés disso, ela sai de dentro de mim em forma de água.

Começo a tossir e a engasgar involuntariamente. Uma grande quantidade de água doce sai de meus pulmões pela minha boca.

Sequestrada #Wattys2016Onde histórias criam vida. Descubra agora