O Navio Naufragado

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Mesmo à distância e com pouca iluminação eu consigo ver o casco marrom do navio recém naufragado.

Ele está em cima de uma grande rocha cinzenta e alguns peixes já se aproximam curiosamente.
Eu não posso culpá-los, pois eu também estou muito curiosa. Quais tesouros podem haver ali desta vez?
O último navio que vasculhei continha apenas um tesouro diferente dos que eu já tinha: um pequeno objeto do tamanho da minha mão, feito de metal. Sua parte de baixo é comprida e fina e sua parte de cima é redonda e funda como uma concha, porém lisa, que mais tarde eu descobri se tratar de um guilumburarde, um objeto que os humanos usam para cavar buracos. Pelo menos foi assim que o Sabidão descreveu...

Meu pai fica furioso quando descobre que eu vim aqui. Um dos motivos é que esta parte pertence à Carniverus, o quinto reino do mar.
Eles são os famosos tubarões. Devoram tudo e todos que eles interpretarem como inimigos ou comida.
Suas caudas são como as dos tubarões, suas peles cinzentas e seus corpos finos. O rosto esquelético e suas presas longas e afiadas dão um aspecto de monstro a eles.
Porém, quando emergem apenas a sua parte superior da água, se transformam em belíssimos humanos, que consequentemente atraem outros humanos, então eles os puxam para debaixo d'agua e os afogam e depois de tudo, os devoram.
Já ouvi dizer que alguns humanos sortudos que sobreviveram ao ataque, os confundem conosco, o povo peixe.
É repugnante saber disso, pois jamais fizemos ou faremos uma coisa dessas.
Carniverus é inimigo de Atlantis. Entrar nas terras deles sem permissão é o mesmo que pedir por morte instantânea.
Mas a maioria dos barcos que naufragam vêm parar aqui. Logo, eu entro aqui muitas vezes.

O rei Tibério(comandante de Carniverus) e o meu pai fizeram uma trégua afim de estabelecer a paz entre os povos(essa idéia partiu do meu pai, obviamente)
Mas, mesmo assim, é perigoso encontrar um carnivoris, principalmente se eu for a invasora. Mesmo com a ordem de "paz", eles não são muito bons em seguir regras.
Por isso, tenho que ficar atenta.

Olho ao redor. Cascos e mais cascos de barcos cheios de lodo e apodrecendo, mas nenhum carnivoris.
Pelo canto do olho, vislumbro um vulto no escuro, logo abaixo. Olho mais atentamente.

__Ariel!

Levo um susto tão grande que me elevo e bato a cabeça no mastro do barco.
Estava tão absorta em meus pensamentos, que esqueci completamente que meu amigo Linguado, o peixe amarelo com listras azuis, está bem ao meu lado.

__Fale baixo! Eles podem nos ouvir!!__ susurro para ele.

__E-e-eles quem? Os carnivoris?__Linguado se esconde em meu cabelo__Eles estão aqui?!

__Eu não sei. Preciso ver.__ respondo, dando um giro ao redor do mastro no qual bati a cabeça. Olho para Linguado que aparentemente está morrendo de medo, pois está tremendo como se estivesse recebendo uma descarga elétrica.__Você pode ficar aqui e vigiar o lugar para mim. Grite se ver alguma coisa.

Ele não questiona. Então mergulho suavemente, evitando fazer barulho. Chego à uma pequena fenda no solo e espio mas não encontro nada.
Aceno para Linguado, dizendo que está tudo bem.

Ele faz sinal de que prefere ficar onde está. Concordo com um sorriso.

Lá dentro do navio, uma luz esverdeada bruxoleia por um buraco feito na parte de cima do casaco, tingindo alguns objetos que flutuam ali com essa cor. Objetos.

Pego o mais próximo: é pequeno e marrom, com uma ponta fina de um lado e do outro uma ponta grande e redonda.
Pego o segundo objeto: é feito de metal e possui o mesmo tamanho que o guilumburarde, a diferença é que ao invés de ter uma ponta redonda como uma concha lisa, esse objeto tem uma ponta parecida com a do tridente do meu pai...

__O que é isso?__diz uma voz bem perto do meu ouvido.

Levo outro susto solto os objetos desajeitadamente, fazendo-os flutuar na água escura.

__Linguado pare de me assustar assim!__Reclamo, pegando novamente os objetos e colocando-os em minha fisubedruvale, um de meus tesouros humanos, uma espécie de baú feito de tecido que possui uma alça para carregar no ombro.
Os humanos são tão criativos!

__Não estou gostando disso, Ariel.

__Não tenha medo__falo__Não há nada com o que se preocupar.

Assim que fecho a boca, Linguado arregala os olhos e emite um ruido que mais parece um engasgo.

__Ca-ca-ca-carnivoris!!

Me viro e lá está ele, ou ela, é difícil diferenciar.
Seus olhos vermelhos me encaram de modo ameaçador. Suas presas enormes estão expostas e eu tenho a impressão de que aquele carnivoris está com muita fome.

__Linguado fuja!!__Grito por cima do medo excruciante que sinto.

Nadamos à toda velocidade por entre os barcos e algas com o carnivori em nosso rastro.

Ele só para de nos perseguir quando chegamos ao limite de Atlantis. Mesmo assim, nós continuamos nadando.

A Pequena SereiaOnde histórias criam vida. Descubra agora